Seminário debate vigilância popular e cuidado em saúde nos territórios do campo, da floresta e das águas

Para debater experiências, saberes e práticas na defesa da vida, na perspectiva da vigilância popular e do cuidado em saúde em diálogo com o Sistema Único de Saúde (SUS), foi realizado o Seminário “Vigilância Popular e Cuidado em Saúde nos Territórios do Campo, da Floresta e das Águas”, nos dias 31 de outubro e 1º de novembro, na Fiocruz Ceará.

De acordo com a pesquisadora da Fiocruz Ceará e coordenadora do evento, Vanira Pessoa, foi a partir das pesquisas e processos formativos dialógicos, participativos e inovadores realizados nos territórios e comunidades, e também no âmbito da Estratégia Saúde da Família nos municípios-laboratórios, que surgiu a ideia desse seminário que integra o Ambiente, a Atenção e a Promoção da Saúde.

“Sem essa integração as respostas são muito insuficientes. A partir desse processo e de diálogos com gestores, trabalhadores, comunidades e com pesquisadores, foi possível enxergar a complexidade e a diversidade dos problemas existentes nos territórios e no âmbito do SUS”, ressaltou Vanira.

A Fiocruz, segundo a coordenadora, é uma potência agregadora que possibilita funcionar como um catalisador, para que essas várias redes também coloquem a saúde numa perspectiva mais ampla, que possibilita a construção coletiva e solidária do direito à saúde num contexto de múltiplos problemas ambientais e de necessidades de novas e efetivas respostas do setor saúde.

O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS), Hermano Castro, ressaltou que a vigilância popular em saúde coloca a população como protagonista no monitoramento de condições que afetam sua saúde, de forma a contribuir para uma visão mais abrangente e equitativa dos problemas de saúde coletiva.

“Essa vigilância reforça as ações de saúde que respeitam e consideram as especificidades culturais, ambientais e socioeconômicas de cada território. Ela se difere dos modelos tradicionais de vigilância, que frequentemente têm um caráter técnico e institucional”, disse.

Alguns questionamentos de Maria Rocinei da Silva, do Ministério da Saúde (MS), fizeram os refletirem sobre como “o popular” é ameaçado e silenciado. “Hoje estamos no Ministério da Saúde com a tarefa de afirmar o popular dentro dessa instituição, que ele tem um sentido político muito amplo, e que tem a ver com o processo de libertar. Com conscientização, luta e só é produzida e conquistada com muitas mãos”, enfatizou.

Também presente na abertura do seminário, a representante da Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas da Fiocruz (VPPCB), Rosane Marques, considerou o seminário como um marco na trajetória de quem atua na saúde pública e que realiza pesquisa aplicada às políticas públicas. “É preciso cada vez mais valorizar o conhecimento que é produzido de forma participativa, valorizando os diferentes saberes, pois isso é ciência”, afirmou Rosane.

Na opinião de Paulo Gadelha, da Estratégia Fiocruz para Agenda 2030 (EFA 2030), a vigilância popular se apresenta como o melhor instrumento popular de ações vinculadas à promoção da vida. Ao destacar o crescimento da vigilância popular da saúde, ele disse que “esse processo de vigilância é extremamente inovador no país e tem um grande futuro para reverter a visão de como a participação popular faz toda a diferença na luta por uma saúde mais equitativa, qualidade de vida e um mundo mais justo”.

O presidente da Abrasco e pesquisador da Fiocruz Minas, Rômulo Paes, fez uma palestra abordando o tema: “Quais são as questões atuais e os desafios para a vigilância popular e os cuidados em saúde nos territórios do campo, da floresta e das águas”. Rômulo destacou que a “vigilância popular em saúde já existe há muitos anos, mas só agora está sendo organizada, pois é um conjunto de tecnologias”.

A palestra foi seguida de uma mesa redonda intitulada “Como inovar na vigilância e nos cuidados em saúde para as populações vulnerabilizadas?” e de apresentações de iniciativas e produções organizadas pela Fiocruz Ceará. Foram apresentadas e lançadas produções de pesquisas-ação-participativas como o Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes, que envolveu 11 territórios, sendo seis no Ceará e quatro outros estados, sendo os resultados sistematizados no guia de vigilância popular e na web série “Vigia, Povo!”, disponibilizadas no portal.

Também foi debatido os cuidados em saúde, a partir dos resultados da pesquisa SERPOVOS, sistematizados numa coletânea intitulada de “Saberes, práticas e inovações nos cuidados em saúde nos territórios”, disponível no portal, juntamente com outras produções como vídeos, cordéis e cenopoesia. A primeira pesquisa foi coordenada pelo pesquisador Fernando Carneiro e a segunda pela pesquisadora Vanira Pessoa. Nestas pesquisas participam diversas entidades, movimentos sociais e pesquisadores da Fiocruz.

Questões socioambientais

O coordenador de Saúde e Ambiente da VPAAPS, Guilherme Franco Netto, trouxe à tona duas questões fundamentais para a vigilância popular em saúde: a questão racial e o território. “A vigilância popular em saúde não deixa de ser uma importante resposta da ação da saúde em relação ao racismo e nossa história como um todo. As populações e povos excluídos são os principais beneficiários desse projeto”, ressaltou.

Guilherme ainda enfatizou que a vigilância popular em saúde tem que ser de base territorial. “Ela não pode se desconectar da determinação social da saúde, que é a relação da saúde com todas as outras políticas. Essa relação se dá concretamente nos espaços de vida e de trabalho das pessoas no seu cotidiano”, destacou.

As falas sobre os conflitos ambientais e as várias formas de resistência dos povos do campo, da floresta e das águas, em diversos momentos se destacaram no seminário. A destruição do solo e subsolo pelas mineradoras em vários estados do país; o uso de agrotóxicos que contaminam a água e o solo; e as construções de barragens que deslocam milhares de pessoas, afetando comunidades quilombolas, povos indígenas e outras populações também foram apontadas.

Parceria entre a Fiocruz e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) tem discutido a vigilância popular em saúde e outros temas pertinentes aos atingidos. Moises Borges, da Coordenação Nacional do MAB, relatou que o Movimento há anos faz a vigilância, mesmo sem ter uma base teórica sobre o tema.

A contaminação por agrotóxicos que afeta comunidades indígenas foi um dos problemas apontados por Teka Potiguara, professora e pesquisadora popular. “Nós somos contra o agrotóxico, porque sabemos que mata. Já tomamos consciência que isso faz mal e temos que lutar contra”, pontuou.

“A chegada de um empreendimento como uma hidrelétrica ou mineradora destrói completamente as relações existentes no território. Com isso, observamos o adoecimento mental das famílias e os problemas epidemiológicos que começam a surgir. Somos os primeiros a perceber os problemas e os primeiros a denunciar”, afirmou.

O último dia do seminário contou com um painel que discutiu a formação e a integração entre as temáticas de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde, além da apresentação dos grupos de trabalho que abordaram a vigilância popular em saúde relacionada aos agrotóxicos, siderúrgicos e mineração, agroecologia e os cuidados em saúde. O evento foi presencial e atraiu mais de 300 pessoas. E também foi transmitido ao vivo pelo YouTube da Fiocruz Ceará.

Por: Suzane Durães (VPAAPS/Fiocruz) / Fotos: Silvia Batalha e Carolina Campos

Compartilhe.

Tags: , , .