Famílias da Chapada do Apodi resistem contra o agronegócio na região

Por Francisco Barbosa

O Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes realizou a sua Caravana da Vigilância Popular da Saúde, desenvolvendo pesquisa campo pelo estado do Ceará nos municípios de Tabuleiro do Norte (06 e 07 de junho), Aracati (08 e 09) e Fortim (10 e 11), e nos dias dia 17 e 18 de junho em Miraíma.

A primeira parada da Caravana foi para conhecer de perto as experiências no município de Tabuleiro do Norte. O primeiro dia começou com atividades na Comunidade Santo Estevão, com a apresentação do projeto Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA) – “Meu quintal em sua cesta”, onde agricultores/as familiares vendem seus produtos agroecológicos.

Aline Maia, Técnica da Cáritas de Limoeiro do Norte, explica sobre o início do processo de implementação da Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA) – “Meu quintal em sua cesta”. De acordo com ela, a Cáritas começa a atuar no território de tabuleiro em 2017 a partir da implementação das tecnologias sociais e com isso do processo formativo, e um dos desejos dos agricultores era de comercializar. “Aí a gente começa a monitorar os quintais produtivos, então a gente realiza o monitoramento desses quintais e percebe que mesmo em meio aos desafios do acesso a água e do acesso à terra essas comunidades tinham uma grande diversidade de produção, em pequena escala, claro, porque são pequenos quintais, mas a gente via uma diversidade”.

A partir de 2019 foram organizadas feiras onde os/as agricultores/as vendiam seus produtos, por fatores externos, como a falta de chuva, por exemplo, essas feiras tiveram que ser repensadas.  Em 2020, a chegada da pandemia do novo coronavírus também se tornou um outro desafio para essa comercialização, foi quando foi apresentada a CSA. “Diego Gadelha, que é nosso voluntário e professor do IFCE de Fortaleza apresentou algumas experiências de comercialização, dentre elas a experiência de comunidade que sustenta a agricultura, então nós fomos estudar, vimos vídeos, lemos alguns materiais dessa experiência que acontece em outros lugares no Brasil, a gente tem a CSA Brasil e a gente começa a pesquisar, buscar informações e a gente percebeu que era uma experiência que tem potencial”.

A agricultora Maria das Graças de Jesus é uma das agricultoras do projeto, e para ela, a inciativa tem uma importância muito grande pois quem está envolvido não está perdendo as suas safras, e enfatiza a importância da união dos agricultores em fortalecer o projeto. Sobre a lutas de resistência contra o avanço do agronegócio, Graça acredita que os agricultores e agricultoras do “Meu quintal na sua cesta” vem combatendo o avanço do agrotóxico na região. “Apesar de nós sermos minoria, mas que pelo menos a gente está tentando ver se afasta mais esses agrotóxicos, essas empresas que sobe para cá só no intuito de ganhar dinheiro e não pensando no próximo”.

Atualmente o “Meu quintal na sua cesta” conta com 16 famílias de agricultores, sendo 13 de Tabuleiro do Norte, duas do Acampamento Zé Maria do Tomé, em Limoeiro do Norte e uma da comunidade de Catingueirinha, de Potiretama.

Na ocasião, também foi falado sobre a luta contra o agronegócio que, de acordo com os moradores, vem ocasionando a morte de abelhas, prejudicando a produção de mel. Outro fator que mudou com a chegada do agronegócio foi a questão da criação dos animais que antes eram criados soltos, mas que agora “as cercas chegaram”. Em seguida as atividades foram realizadas na comunidade Baixo de Juazeiro e Currais de cima, onde os/as participantes falaram sobre o impacto do avanço do agronegócio da região.

A agricultora Cleide Rodrigues explica que a empresa chegou durante a pandemia, mas na época a população não tinha ideia do impacto que a empresa iria gerar. De acordo com seu irmão, Francisco Rodrigues, depois da instalação da empresa a criação de bode acabou, porque antes era possível criar os animais soltos, se alimentando da terra sem prejudicar a plantação de ninguém, agora os animais precisam ficar cercados.

Reginaldo Ferreira de Araújo, Historiador e Ativista do Movimento 21 (M21) explica que na região do Tabuleiro do Norte, as comunidades estão sendo impactadas pelo agronegócio a partir de uma grande empresa que se instalou no local e que vem comprando terra e expulsando as famílias que não querem vender suas terras. A expulsão se dá por conta do uso extensivo de veneno por parte da empresa nas plantações de algodão e soja transgênicos. “O impacto é muito forte porque a agricultura aqui é agricultura de sequeiro, quintais produtivos, e as pessoas têm medo de que as suas plantas sejam contaminadas com essa produção transgênica porque aí, com a transgenia, você tem que usar todo um pacote tecnológico e muitas das comunidades não têm condições de comprar, então é um impacto perverso que está acontecendo aqui”.

Já na comunidade Santo Antônio dos Alves, os participantes conversaram sobre Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho e sobre como as famílias das comunidades estão realizando esse tipo de ação. A última parada do dia aconteceu no Acampamento Zé Maria do Tomé.

Reginaldo afirma que as famílias do território vêm realizando a Vigilância Popular da Saúde. “A forma que elas se utilizam é a forma do observar, é do olhar, é dessa relação íntima que eles têm com a natureza. Estão percebendo a diferença a partir das mortes das abelhas, a partir da diminuição dos animais, dos animais silvestres. Eles percebem isso e a vigilância deles é essa, de registrar, fotografar, de descer para cidade para nos avisar para a gente tomar posição junto com eles”.

A defensora pública, Lívia Soares participou das atividades realizadas no segundo dia de pesquisa em campo, onde os/as participantes debateram sobre a vigilância popular e organizaram um plano de ação. Lívia explica que a combinação de produção, sustentabilidade e saúde é muito importante e deve ser fomentado. As três palavras devem ser um ciclo constante, devendo ser buscada a convergência sempre.

Questionada sobre como a Defensoria Pública de Limoeiro do Norte vem contribuindo com a luta das famílias agricultoras de Tabuleiro do Norte contra o agronegócio Lívia afirma, “A defensoria pública se coloca à disposição das pessoas em situação de vulnerabilidade para conseguir construir um ambiente melhor para todos. Recentemente, por exemplo, a defensoria convocou uma audiência pública para discutir a situação do despejo das famílias do assentamento Zé Maria, que embora não possamos fazer nada juridicamente, porque a competência é da justiça federal, estamos tentando buscar ideias em conjunto com outros setores do poder público para solucionar o problema”.

Reginaldo afirma que, “para nós, do movimento de 21, foi muito importante a gente participar do Participatório, porque a gente percebeu que é possível fazer esse diálogo para além dos territórios, com os parceiros, além da comunidade. A gente pode avançar esse diálogo como foi com as agentes de saúde, essa primeira experiência delas estarem com a gente a partir do Participatório, dos profissionais da saúde. A gente percebeu que é possível dialogar com os outros setores como a educação, as escolas das comunidades que rodeia as comunidades atingidas”.

Graça afirma que a atividade realizada pelo Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes teve um significado muito importante. “É muito bom a gente receber visita de pessoas que vêm de fora para conhecer a luta da gente, o que a gente vive batalhando para conseguir uma vida digna. A gente não está pedindo nada demais, só o direito de viver melhor e foi muito importante esses dois dias que a Fiocruz passou por aqui, que é bom a gente saber que tem outras pessoas empenhadas em ajudar a gente, que a gente não está sozinho nessa luta”.

“As famílias têm reagido a esse avanço do agronegócio na região a partir da resistência, mesmo assim eles continuam produzindo uma produção agroecológica, sem veneno, com muitas dificuldades nos seus quintais produtivos. Eles estão guardando suas sementes para as futuras gerações, abriram casa de sementes de várias comunidades para manter essa resistência de produzir um alimento saudável, com a produção nativa, com a produção do que eles conhecem desde os antepassados. Então é uma forma muito linda de resistência que está tendo aqui”, finaliza Reginaldo.

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