Vigilância Popular em Saúde: oficina discute estratégia para enfrentar emergências climáticas e fortalecer políticas públicas

A Alliance for Health Policy and Systems Research e o Departamento de Emergências da OMS estão entre os principais financiadores da pesquisa, juntamente com a Fiocruz

Com o tema “Vigilância Popular em Saúde como Estratégia Potencializadora das Ações dos Sistemas de Saúde frente às Emergências de Saúde Pública Associadas às Mudanças Climáticas”, nos dias 11 e 12 de fevereiro de 2025, a Coordenação de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Presidência da Fiocruz em parceria com a Fiocruz Ceará realizou a Oficina de Planejamento Participativo da pesquisa, como um espaço de debate entre especialistas, representantes do Sistema Único de Saúde (SUS) e integrantes de movimentos sociais. O encontro teve como um de seus principais objetivos contribuir com subsídios para a elaboração de um Guia de Vigilância Popular em Saúde, com foco em emergências climáticas, especialmente secas e inundações.

A abertura do evento contou com a presença de nomes de referência da saúde pública e da pesquisa científica. A mesa foi composta por Carla Celedonio, coordenadora geral da Fiocruz Ceará; Fernando Carneiro, coordenador da pesquisa pela Fiocruz Ceará; Dra. Tânia Fonseca, coordenadora de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Presidência da Fiocruz; Dr. Zubin Shroff, Technical Officer – Alliance for Health Policy and Systems Research – OMS; Antônio Lima Neto, secretário executivo de Vigilância em Saúde da Secretaria de Saúde do Ceará; Guilherme Werneck, diretor do Departamento de Articulação Estratégica de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde – MS; Edenilo Barreira Filho, diretor do Departamento de Emergências de Saúde Pública do Ministério da Saúde; Maria Rocineide Ferreira, coordenadora-geral de Articulação Interfederativa e Participativa da Secretaria Executiva do Ministério da Saúde; Andreza dos Santos, representando Agnes Silva, diretora do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde; e Paulo Gadelha, coordenador da Estratégia 2030 Fiocruz e presidente da Fiocruz (2009-2016), representando o Dr. Mário Moreira, presidente da Fiocruz.

A iniciativa da Fiocruz Ceará foi destacada por sua atuação na vanguarda da vigilância popular em saúde. Carla Celedonio elogiou o trabalho desenvolvido e reforçou a importância do envolvimento da sociedade na identificação de problemas e na busca por soluções para a saúde pública. “Esta pesquisa coloca a população como protagonista na identificação de agravos e na construção de respostas para os desafios na saúde pública. A estruturação da vigilância popular em saúde é uma estratégia essencial, pois exige não apenas o engajamento das ações governamentais, mas também a participação ativa da sociedade civil”, afirmou Celedonio.

Para o pesquisador Zubin Shroff, a importância da vigilância em saúde diante dos desafios impostos pelas mudanças climáticas foi classificada como uma grande ameaça à saúde humana no século XXI. “A vigilância é uma função essencial da saúde pública, e precisamos de sistemas eficazes, construídos em parceria com as comunidades, para garantir acesso e responsabilidade social. A co-produção do conhecimento e a participação popular são fundamentais nesse processo. Tenho certeza de que este guia será um recurso valioso, não apenas para o Brasil e a América Latina, mas em nível global”, pontuou Shroff.

Durante a oficina foi ressaltada a necessidade de adotar múltiplas abordagens para enfrentar os desafios climáticos e sociais. Christovam Barcellos reforçou a importância de considerar não apenas os impactos ambientais, mas também as desigualdades sociais e a precarização do trabalho. “É fundamental a reflexão sobre o que está acontecendo no mundo, desde as mudanças climáticas até o aumento das desigualdades sociais. Precisamos ouvir as comunidades, aprender com suas experiências e incorporar tecnologias sociais para enfrentar esses desafios”.

O pesquisador também enfatizou que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve estar preparado para lidar com os efeitos das mudanças climáticas, como desastres naturais, insegurança alimentar e problemas de saúde mental. “A construção coletiva de soluções é essencial, envolvendo profissionais de saúde e diferentes áreas do conhecimento para uma abordagem ampla e descentralizada”, concluiu.

Durante a oficina, foram promovidos debates em grupos de trabalho envolvendo o setor da saúde (OMS, OPAS, Ministério da Saúde e Secretaria Estadual de Saúde do Ceará), especialistas do tema e movimentos populares e indígenas. As discussões se concentraram nas contribuições para fortalecer a pesquisa e na construção de ações voltadas para a prevenção e resposta às emergências climáticas em termos teóricos, metodológicos, políticos e relacionados a participação popular.

A liderança indígena Teka Potiguara, da Aldeia Mundo Novo, em Monsenhor Tabosa, ressaltou a relevância da vigilância popular para os povos tradicionais e a necessidade de olhar para os territórios a partir de suas realidades. “Nós vivemos de sistemas de troca e lutamos pela demarcação e preservação da terra, pois a terra também tem vida. O ‘encabelamento’ da terra, que representa o crescimento das árvores, é essencial para melhorar o clima e garantir a nossa sobrevivência”.

Ela também fez um apelo para que os pesquisadores conheçam de perto a realidade das aldeias e auxiliem na busca por soluções. “Precisamos que essa equipe rica em conhecimento vá até o nosso território, analise nossa água e compreenda nossa situação. Só assim poderemos buscar juntos soluções para os nossos problemas e para os desafios que todos enfrentamos”, destacou.

O diretor Edenilo Barreira reforçou a necessidade do fortalecimento da vigilância popular como estratégia para otimizar a resposta a emergências sanitárias. “A construção de uma vigilância de base comunitária voltada para emergências permite uma identificação mais ágil de eventos que possam se tornar crises de saúde pública. Desenvolver canais de comunicação direta com as comunidades, incluindo populações tradicionais e isoladas, é um passo essencial para garantir respostas rápidas e eficazes no território nacional”.

O estudo que servirá de base para a construção do Guia de Vigilância Popular em Saúde foi apresentado, trazendo uma abordagem inovadora para a participação comunitária voltada para a vigilância de emergências climáticas. A pesquisa, aprovada após um longo processo de validação junto à Organização Mundial da Saúde (OMS), tem como objetivo compreender e estruturar metodologias que integrem as comunidades no processo de monitoramento e resposta a eventos climáticos extremos. A proposta se baseia na co-produção do conhecimento, fortalecendo a participação popular e o envolvimento dos serviços de saúde na construção de estratégias mais eficazes.

Nela consolida-se um modelo de vigilância popular que articule saberes acadêmicos, científicos e comunitários, permitindo maior autonomia das populações afetadas. A metodologia adotada prioriza abordagens participativas e emancipatórias, evitando processos extrativistas de coleta de dados.



O projeto será desenvolvido em diferentes etapas, iniciando-se com a oficina nacional de planejamento participativo, seguido por estudos territoriais e a aplicação de metodologias como cartografia social e a técnica do “Fotovoz”. A partir desses levantamentos, serão sistematizadas as informações que alimentarão o guia, cuja versão preliminar será discutida em uma nova oficina de devolutiva.  Além do guia, o projeto prevê que na realização das oficinas e vivências nos territórios pesquisados sejam formulados indicadores e estratégias de enfrentamento às mudanças climáticas, bem como a produção de um documento político estratégico que possa subsidiar políticas públicas em nível nacional e internacional.

A pesquisa prevê ainda a criação de uma segunda Web Série, baseada na primeira “Vigia, Povo”. Esse documentário buscará traduzir, de forma acessível e engajadora, as experiências da vigilância popular em diferentes territórios. O material audiovisual terá o propósito de ampliar o debate sobre as estratégias comunitárias de monitoramento da saúde e do meio ambiente, com foco nas secas e inundações, fomentando a troca de saberes entre populações tradicionais, pesquisadores e gestores públicos.

A coordenadora e organizadora da Oficina, Tânia Fonseca, falou sobre a necessidade de incluir populações vulnerabilizadas na formulação de políticas públicas, destacando o impacto desigual das emergências sanitárias, como evidenciado pela pandemia de Covid-19.

“A pandemia mostrou como diferentes emergências afetam de maneira desigual as populações vulneráveis, que muitas vezes não têm acesso adequado à saúde ou reconhecimento de seus direitos. Além de indígenas, quilombolas e ribeirinhos, moradores de favelas também enfrentam impactos diferenciados. Projetos como este deixam um legado fundamental ao promover a coparticipação e a cocriação do conhecimento, respeitando realidades, tradições e territórios”.

Ela ressaltou que os desafios variam conforme a região e que a construção de um guia capaz de problematizar e fortalecer as respostas das populações afetadas, dos gestores e da academia é essencial para um Sistema Único de Saúde (SUS) mais preparado para enfrentar emergências. “É nisso que acreditamos e apostamos”, concluiu.

A importância da vigilância popular em saúde no cenário global também  foi destacada por Carlos Corvalan do Departamento de Mudanças Climáticas e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), que ressaltou a necessidade de conexão com organismos como a OMS. “O ambiente e a saúde, especialmente a relação entre mudanças climáticas e saúde, são temas centrais no cenário global. No desenvolvimento de indicadores, há uma grande oportunidade para integrar a vigilância popular, compreendê-la melhor e conectá-la ao trabalho já realizado pela OMS e possivelmente por outras agências internacionais de saúde”.

O pesquisador Fernando Carneiro, idealizador e um dos coordenadores da Oficina, ressaltou a importância da participação ativa na produção do conhecimento e no fortalecimento das políticas públicas. Durante o momento final do planejamento participativo, ele destacou o legado que se busca construir ao longo do processo. “Nossa pesquisa busca gerar um legado. Para isso vamos fazê-la junto com gestores , pesquisadores e  e movimentos, numa construção conjunta e equânime, valorizando os diferentes e complementares saberes. Muitas pesquisas passam, mas o que fica para os territórios? O que permanece em termos de produção de conhecimento e impacto nas políticas públicas?”, questionou Carneiro que também coordena o Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes.

Ele enfatizou que o encontro de saberes promovido pela Oficina representa um avanço na construção de uma ciência comprometida com a justiça cognitiva e a defesa da vida. “Esse processo nos permite avançar na construção de metodologias não extrativistas, pautadas na partilha e na maximização da participação em todas as suas dimensões, com impacto real na formulação de políticas públicas sustentáveis e inclusivas”, concluiu.






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