Seminário Nacional sobre Violência e Saúde reúne entidades na Fiocruz Ceará

A Fiocruz Ceará, por meio da Coordenação de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (CAAPS) realizou, na última quarta-feira (6/12), o Seminário Nacional do Programa Interinstitucional de Violência e Saúde para discutir “Políticas públicas, intersetorialidade e a participação popular nos territórios marcados pela violência e seus impactos na saúde”. Representantes de diversas entidades e frentes participaram do debate, apresentando experiências, dados e histórias. O encontro aconteceu de forma híbrida, presencial e com transmissão pelo canal do Youtube e abordou as diversas perspectivas da violência para as juventudes, mulheres, trabalhadores e a população em geral, além de proporcionar a oportunidade de compartilhar experiências exitosas de pesquisas sobre violência.

Carla Celedônio, coordenadora da Fiocruz Ceará, deu as boas-vindas aos participantes e ratificou a importância do tema transversal a muitas pesquisas desenvolvidas na Instituição. “A violência é um tema que nos preocupa muito. Que este seja o primeiro de muitos encontros que possamos organizar em busca de encontrarmos caminhos para ajudar nas estratégias de enfrentamento. Vivemos numa região linda, mas violenta e desigual. Que sejamos sementes de paz”, defende.

Paulo Garrido, presidente eleito do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz (Asfoc), saudou os presentes e destacou o desafio de enfrentar o avanço do crime organizado nos territórios em todo o país. “A segurança pública faliu, sucumbindo ao poder das milícias e do tráfico. Vivemos num Estado violento e opressor principalmente com pobres e pretos e vemos que nos territórios a cidadania passa longe. Devemos exigir mudanças e, para isso, estamos engajados nessa luta”, defende Paulinho.

Fernanda Lages, coordenadora do Programa Institucional de Violência da Fiocruz, informou sobre a parceria intersetorial instituída em 2017na Instituição que reúne diversas unidades. “Atualmente 19 unidades da Fiocruz participam do GT que analisa e considera a realidade de cada local”.

Vanira Pessoa, coordenadora de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (CAAPS) da Fiocruz Ceará, acredita que serão colhidas do seminário propostas de ações e políticas públicas como símbolo da luta e resiliência dos atingidos pelo tema tão presente. “Este encontro serve para nós refletirmos, enquanto militantes do SUS, o quanto priorizamos o tema para a melhoria das condições de vida das pessoas que habitam os territórios”.

Realidade da juventude

O debate foi dividido em blocos, dando espaço aos grupos compartilharem suas vivências. No tempo destinado à juventude, uma das maiores vítimas da violência nos territórios, Eduarda Pereira e Tamara Cruz Almeida, representantes do coletivo Meraki do Gueto, dialogaram sobre a expectativa dos jovens nas comunidades. Segundo Eduarda, a violência que atinge a juventude nos territórios está além da física, passando também pela ausência do Estado em temas como saúde e lazer. “Enfrentamos a dificuldade de nos sentirmos inseridos, além de muitos normalizam a violência como parte do cotidiano, o que acaba afastando a juventude dos debates e não permitindo que se percebem como agentes políticos de mudanças”, lamenta.

Tamara Almeida, que também faz parte do coletivo Meraki do Gueto, alerta que a “violência letal” surge como último estágio. “Antes vem a negligência das políticas públicas e os acessos negados durante toda a vida. Não somos só dor e tristeza, mas também exemplo para outras pessoas, pois também representamos esperança. Talvez a gente não mude o mundo, mas mudamos o mundo que atravessa a gente”, acredita.

Representando o Comitê de Combate e Prevenção à Violência da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Ceará, a articuladora comunitária Sarah Menezes apresentou os trabalhos do comitê, incluindo recomendações e citando fatores de vulnerabilidade apontados nas pesquisas. “Precisamos enfatizar a necessidade de desnaturalização da violência, projeto de dominação proposital que atinge um público específico que sabemos qual. O que nos cabe é atuar contra esta maré, pois não existirá paz sem justiça. Contem com a gente para fazer os pilares ruírem e juntos construirmos um mundo novo”.

Raquel Jenipapo, indígena Jenipapo-Kanindé, tribo de Aquiraz, assemelha as dores dos povos originários às da juventude. “Nossas dores são similares e coletivas. Não basta fazer que as políticas públicas cheguem no território, mas que sejam realmente efetivadas”. Neta da cacique Pequena, considerada a primeira mulher cacique do Brasil, Raquel questiona a palavra resistência. “Dói carregá-la. Eu não queria ser resistência, porque esta dor é fruto de tantos outros que derramaram sangue antes de mim, e hoje continuamos lutando para manter nossos povos vivos, ocupar os espaços e manter nossa cultura forte. Resistir nos faz acessar feridas que nos machucam, quando queria apenas viver bem. Faço parte da oitava geração do território e continuamos lutando ainda mais para permanecermos firmes. Temos como missão ocupar espaços formativos como estratégia de luta”, defende.

Mulheres

Outra categoria que representa alto índice de atingidos pela violência são as mulheres. Elas também tiveram voz no seminário. Verônica Isidorio, membro da Frente de Mulheres do Cariri, alertou que a região formada por 33 municípios é considerada a que mais mata mulheres por feminicídio no Ceará. “É difícil ser mulher no Cariri. Nossa vivência diária nos impõe convencer as pessoas que nossos corpos existem”. Ela cita iniciativas como equipamentos de acolhimento, Delegacia da Mulher, casas abrigo, acompanhamento das políticas públicas e ações diretas junto à população como tentativas de amenizar o alto número de casos e visibilizar a luta. “Muitas vezes se é falado em coragem, mas é um sentimento subjetivo. Por vezes, ser mulher passa longe da simples possibilidade de existência. Devemos tomar consciência do nosso papel enquanto pessoas e cidadãos e a partir dela, transformar na prática esta vivência”. Verônica destaca o papel da Fiocruz neste cenário de apropriação do tema. “A instituição cumpre um papel caro para o país, com entendimento profundo sobre a saúde que tanto almejamos, incluindo não só saúde física, de medicamento, mas de forma mais ampla. Que este trabalho de hoje frutifique, gere e qualifique dados para termos instrumentos e meios de provocar políticas públicas com ações que precisamos e queremos”.

Daciane Barreto, coordenadora da Casa da Mulher Brasileira do Ceará, falou sobre a trajetória de luta das mulheres para alcançar importantes conquistas, dentre elas as Leis Maria da Penha, do Minuto Seguinte, do Feminicídio e da Importunação Sexual, além de equipamentos especializados de acolhimento às vítimas de violência, como as Delegacias da Mulher e Casa da Mulher Brasileira. “Este movimento é fruto de anos de luta, escrito por muitas mãos e fora do parlamento. Só conquistamos direitos se a gente se unir ainda mais, respeitando nossa pluralidade, mas com foco na unidade”, defende.

Juliana Guimarães, membro do Observatório de Políticas Públicas em Saúde da Universidade Federal do Ceará (UFC), apresentou dados sobre a violência contra as mulheres levantados pelo grupo e ainda alertou que eles não refletem a realidade. “Este cenário é ainda maior e pior devido à subnotificação e qualificação dos casos. “A Universidade precisa rever seus referenciais, precisa se abrir para a mudança, mas sem recuar nos direitos e nas conquistas já alcançadas. Nosso maior desafio atual tem sido acompanhar o mapeamento do sistema de informação, com a base de dados atualizada, além de articular a integração da rede de saúde ainda muito fragmentada”, pondera.

No período da tarde, foi aberta a oportunidade para apresentação de experiências exitosas com pesquisas sobre violências. Puderam compartilhar informações Ana Regina Barbosa, agente comunitária da Barra do Ceará e membro do Coletivo de Mulheres Lindofas; Airton Lima, do Merac, coletivo que surge em 2017, mas toma força em 2021 com a pandemia; Rafaelle Bezerra, aluna de pós-graduação da Fiocruz Ceará que estuda sobre a  intersetorial e integrada a mulheres em situação de violência doméstica na Atenção Primária à Saúde no município de Boa Viagem (CE) e ainda Anya Vieira Meyer, doutora e a pesquisadora da Fiocruz Ceará, que coordena uma pesquisa sobre Violência e impactos no trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde.

Impacto na saúde

Na terceira mesa de debate, o tema tratou sobre o impacto da violência na saúde dos cidadãos. Dona Silvia, mãe de dois sobreviventes da Chacina do Curió, ocorrida na virada dos dias 11 e 12 de novembro de 2015, em quatro bairros da Grande Messejana que vitimou 11 pessoas, afirma que o fator racismo foi uma das armas utilizadas naquela noite. “As pessoas não imaginam o quanto a violência afetou a saúde das famílias e dos moradores, com aumento de casos de ansiedade e depressão. Aliado a isso, o sucateamento dos postos dos bairros, que não conseguem atender esta comunidade, além do medo de sair de casa. Meu filho é um sobrevivente adoecido e casos como este não param de acontecer. Território é sinônimo de doença. Não só psicológica ou física, mas vivemos uma sociedade doente, com leis que não nos beneficiam. Por isso insistimos na luta”.

Carla da Escóssia, coordenadora do Programa Integrado de Prevenção e Redução da Violência (PReVio) também apresentou dados e a atuação do programa vinculado ao Governo do Ceará, presente nos 10 municípios cearenses mais populosos e com maiores índices de violência, concentrando 58% dos crimes do estado. Dentre as ações lideradas pela coordenação, o projeto de empoderamento feminino, a rede de casas que atendem mulheres vítimas de violência, o Nem 1 aluno a menos na escola, Programa Famílias fortes, Unidade Móvel de Atendimento à População LGBTQIA+, Plano Estadual de Políticas de Mulheres, Apoio às Vítimas de Violência, Justiça Restaurativa, dentre outros.

O deputado estadual Renato Roseno também participou do debate. Para o parlamentar, é fundamental a presença da Instituição na construção deste debate com o viés voltado para a saúde. “Perdemos, entre 2010 e 2022, praticamente 10 mil jovens entre 10 e 19 anos por mortes violentas. É imprescindível incluirmos a prevenção à violência na agenda pública”. Roseno apresentou um plano de ações evolvendo cinco dimensões: Pactuação, regularidade, urgência, planejamento e assertividade. “Em geral, o que vemos são proposições de populismo penal. Devemos exercer ações embasadas em estudos e dados, com equipe técnica qualificada e produzindo evidências para propor políticas públicas eficazes’, defende.

Íntegra do Seminário

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