Pesquisadores da Fiocruz Ceará coordenam o desenvolvimento do Jordana: software nacional para prevencão do câncer do colo do útero
Fruto da inteligência científica desenvolvida na Fiocruz Ceará, a Plataforma, O Jordana, foi oficializada pelo Ministério da Saúde como ferramenta digital do SUS para estruturar a Estratégia Nacional de Prevenção do Câncer do Colo do Útero, lançada no dia 15 de agosto de 2025, em Recife. O anúncio, feito pelo ministro Alexandre Padilha ao lado do secretário de Atenção Especializada à Saúde, Mozart Sales, marcou a consolidação de uma tecnologia 100% nacional que conecta ciência, inovação e cuidado humano.
O software O Jordana nasceu no Laboratório de Redes Integradas e Inteligentes de Saúde (LARIISA) da Fiocruz Ceará, sob a liderança do professor Luiz Odorico Monteiro de Andrade. A plataforma foi concebida em 2019, após um chamado da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco para reestruturar a linha de cuidado do câncer do colo do útero com apoio da tecnologia digital. A pesquisadora Rebecca Theophilo, doutoranda em Saúde Digital, lidera os processos de planejamento, monitoramento, desenvolvimento e implantação do software, realizando a gestão da equipe técnica, dos stakeholders e dos usuários finais, traduzindo a ciência em uma ferramenta prática, pensada para a realidade das mulheres atendidas pelo SUS.
“A chamada de Pernambuco em 2019 foi decisiva para unir ciência, inovação e política pública em torno de um objetivo comum: salvar vidas”, recorda Odorico. A partir dali a Fiocruz Ceará consolidou-se como protagonista de um ecossistema colaborativo que integrou universidades, laboratórios e organismos internacionais em torno de um mesmo objetivo: eliminar o câncer do colo do útero como problema de saúde pública.




Uma doença evitável que ainda mata
O câncer do colo do útero é considerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) uma doença evitável e passível de eliminação. Ainda assim, segue sendo o terceiro mais incidente entre mulheres no Brasil e provoca cerca de 16 mil novos casos e 6 mil mortes anuais, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA). Estudos apontam que até 90% dessas mortes poderiam ser prevenidas com três medidas: vacinação contra o HPV, rastreamento periódico com teste molecular e tratamento oportuno das lesões. O grande desafio brasileiro sempre foi a logística: alcançar cada mulher, garantir o exame no tempo certo e assegurar que o tratamento não se perca nos fluxos do sistema.
É exatamente nesse ponto que O Jordana faz diferença. Ao centralizar informações, gerar convites automáticos para exames, orientar a periodicidade conforme o histórico de cada paciente e alertar equipes de saúde sobre atrasos ou riscos, a plataforma transforma um percurso antes fragmentado em uma linha de cuidado contínua e segura.
Uma rede viva de inovação
O desenvolvimento do Jordana contou com a parceria da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS), que atuou como financiadora e parceira técnica, e do International Agency for Research on Cancer (Agência Internacional para Pesquisa em Câncer (IARC/OMS), que forneceu protocolos científicos internacionais. O Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), em colaboração com o Laboratório de Imunopatologia Keizo Asami da Universidade Federal de Pernambuco (LIKA/UFPE), nacionalizou o kit RT-PCR para HPV, consolidando a soberania diagnóstica brasileira. A Universidade Federal do Ceará (UFC), somou pesquisas aplicadas em saúde digital, enquanto a Politécnica de Leiria (Portugal), apoiou no design centrado no usuário. Hospitais de referência como o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira IMIP/Pernambuco, o Hospital do Amor de Barretos e o Laboratório Central de Saúde Pública de Pernambuco (LACEN-PE), além das empresas UXVolution, Avicena e Digital Care 2 U, participaram do desenvolvimento e validação prática do software.
“O Jordana é resultado de uma rede viva de inovação. Pernambuco conseguiu mobilizar instituições locais e globais, universidades, laboratórios e gestores do SUS. Transformamos essa experiência em uma tecnologia de Estado, que hoje se torna política nacional”, destacou Mozart Sales.
Do piloto à política nacional

O primeiro momento foi em 2021, com o lançamento do Programa Útero é Vida, pelo então governador Paulo Câmara, que estabeleceu metas ousadas: vacinar 90% das meninas até 15 anos contra o HPV, rastrear 70% das mulheres entre 25 e 64 anos com teste molecular e garantir tratamento integral a 90% das diagnosticadas. O Jordana foi a ferramenta escolhida para dar suporte digital a essa estrutura.
Dois anos depois, em 2023, a ministra Nísia Trindade lançou a Política Nacional de Prevenção e Eliminação do Câncer do Colo do Útero, escolhendo Pernambuco como piloto e abrindo caminho para a nacionalização da plataforma. Em 2025, o Ministério da Saúde oficializou sua adoção, dando escala nacional à tecnologia.
A virada definitiva veio em paralelo, com a aprovação nacional e internacional do kit RT-PCR de HPV do IBMP, consolidando a independência tecnológica do Brasil. “Nacionalizar e validar internacionalmente o kit do HPV é mais do que um avanço tecnológico. É uma conquista de soberania científica que garante independência ao Brasil e fortalece O Jordana como ferramenta estratégica do SUS”, afirmou o presidente do IBMP, Pedro Barbosa.
Impacto direto na vida das mulheres
Mais do que tecnologia, O Jordana representa impacto social concreto. Integrada a sistemas como e-SUS AB, CNES e GAL, a plataforma organiza dados, envia convites para exames e orienta a periodicidade com base no histórico clínico. Isso significa que uma mulher com dois exames negativos só será chamada após cinco anos, evitando tanto perdas de seguimento quanto sobrecarga desnecessária. Em municípios que participaram da fase piloto em Pernambuco, estudos apontaram um aumento de até 30% na adesão ao rastreamento e uma queda significativa nas perdas de seguimento.
“O Brasil é capaz de produzir inovação 100% nacional. É tecnologia que conecta inteligência digital e cuidado humano, garantindo que cada mulher tenha acesso ao rastreamento e ao tratamento em tempo oportuno”, afirmou o ministro Alexandre Padilha durante o lançamento da estratégia.
Com a plataforma, o país se aproxima das metas globais da OMS, que preveem a eliminação do câncer do colo do útero como problema de saúde pública até 2030. Para a sociedade, isso significa menos mortes, mais diagnósticos precoces, redução de custos com tratamentos tardios e um SUS mais eficiente e integrado.
