Pesquisa da Fiocruz Ceará aborda impacto do derramamento de petróleo na vida de pescadoras e marisqueiras do litoral leste do Estado
Pesquisadores da Fiocruz Ceará estiveram em Fortim, Litoral Leste do Estado, nesta quarta-feira (27/11), para visitar e realizar uma roda de conversa com as mulheres pescadoras e marisqueiras. As visitas foram nas praias de pontal de Maceió, no rio Jaguaribe e na comunidade de Jardim. As marisqueiras da região de Pontal de Maceió, de Jardim, da Volta, da Canavieira e do Cumbe, que compreende parte do litoral de Fortim e Aracati relatam que são uma das populações atingidas pelo derramamento de petróleo no Ceará.
Segundo os relatos, cerca de 500 famílias vivem da pesca artesanal de mariscos. O sustento destas famílias foi garantido há diversas gerações pela coleta do marisco no rio Jaguaribe. Após o derramamento de petróleo, a venda do pescado despencou mais de 50% e atingiu violentamente a principal fonte de renda dos moradores. As famílias que sempre se sustentaram com a atividade pesqueira estão perdendo o alimento e seu principal produto de venda, pelo risco de contaminação com o petróleo. Não há consumidores interessados e as pescadoras estão vivendo a incerteza do dia de amanhã. As populações produtoras e consumidoras de peixes e mariscos não tem respostas se estes alimentos estão contaminados, mas estão com medo dos riscos que correm consumindo-os, portanto, reivindicam estudos e análises da contaminação dos peixes e mariscos e da saúde da população pesqueira.
A Fiocruz Ceará está desenvolvendo uma pesquisa no território, iniciada em dezembro de 2018, para traçar um diagnóstico detalhado sobre as famílias pescadoras e produzir indicadores de avaliação em saúde. A pesquisa intitulada “Produção de indicadores para avaliação das condições de vida das famílias e acesso aos serviços de atenção primária em territórios do litoral e do sertão do Ceará e do Rio Grande do Norte, é coordenada pela pesquisadora da Fiocruz Ceará, dra. Vanira Matos Pessoa, que pesquisa na área de saúde da família, ambiente e trabalho. Além dela, os pesquisadores de saúde e ambiente da Fiocruz Ceará, dr. Fernando Ferreira Carneiro e dra. Margareth Gallo, participam da pesquisa e estiveram na visita a comunidade.
A pesquisa de campo começou em abril de 2018, sendo realizados grupos focais e entrevistas e no início de 2020, serão aplicados questionários sobre o histórico de saúde-doença, social, econômico, ambiental, de trabalho e cultural das famílias pescadoras, bem como do atual contexto socioambiental. “
As marisqueiras organizaram a roda de conversa para discutir o tema do petróleo e o impacto na vida das famílias pescadoras como forma de pedir apoio da Fiocruz Ceará e compartilharam histórias que estão vivenciando com o desastre ambiental.
Os relatos comoventes têm uma preocupação em comum: a sobrevivência. Dona Francisca de Albuquerque, aprendeu a ser pescadora com a mãe, e já trabalha como marisqueira desde os 12 anos e diz que nunca passou por situação parecida. Ela conta que chegava a vender 30 quilos de sururu em um dia de feira em Pindoretama, município próximo, mas desde a notícia sobre o derramamento de petróleo, viu as vendas dela e de suas amigas caírem ao ponto de comprometer o sustento de famílias inteiras de pescadores da Região. “Eu vendia 30 quilos de sururu e era rápido. Hoje, vou com 10 quilos, volto com 8 quilos e congelo para comer. Se tiver contaminado, não tenho o que fazer, não vou é passar fome com minha família”, disse.
“Esta visita atende a um pedido das marisqueiras. Toda a comunidade está preocupada com a questão do petróleo e pediram que a pesquisa considerasse esse problema. Então, essa roda de conversa possibilita compreender a gravidade da situação e traçar estratégias na pesquisa para abordar o problema. Não há dados sobre essas pessoas, elas são excluídas da sociedade’, explica a pesquisadora Vanira Pessoa.
As marisqueiras também querem saber sobre a contaminação do Rio Jaguaribe e do mar. Em função dessa demanda, Dr.Fernando Carneiro, pesquisador do projeto, buscou uma parceria com o Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da UFC para realizar uma coleta de 50 unidades de sururu, o equivalente a 200 gramas, para ser analisada em laboratório. A coleta seguiu as recomendações da Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos conforme orientação da dra. Margareth Gallo. Segundo Carneiro, “essa nova demanda para a pesquisa em função do derramamento de petróleo irá exigir maior articulação da Fiocruz Ceará com a Sala de Situação Nacional – Petróleo da Fiocruz em termos de apoio para o desenvolvimento desse componente de análise ambiental que não estava previsto inicialmente no orçamento da pesquisa”, salienta.
As marisqueiras não são cobertas pelo seguro defeso, pago apenas para pescadores embarcados. Apesar das marisqueiras terem consciência dos riscos e dos cuidados que devem tomar, a ressalva é a mesma: elas não tem outra fonte de renda em casa. Expostas ao sol, às águas, à lama e sujeitas a doenças de pele, de coluna, além de ferimentos como cortes nas mãos e pés, elas seguem na luta pela sobrevivência, torcendo para que o derramamento de petróleo não tenha contaminado a vida de todas elas.
Sobre a pesquisa
Na Estratégia Saúde da Família (ESF) as ações de vigilância a saúde, de atenção e promoção da saúde permanecem fragmentadas sem a devida interação e leitura da dinâmica do território, considerando a análise das condições de vida de populações vulnerabilizadas, como pescadores (as) artesanais e agricultores (as) familiares.
Há limitações de acesso à educação, transporte público, comunicação, saneamento e acesso insuficiente aos serviços de saúde, com presença de conflitos, violências, mortes, acidentes químicos acarretando problemas relacionados ao ambiente-trabalho, que permanecem invisibilizados. A Fiocruz Ceará recebeu a demanda dos Movimentos Populares: Comissão Pastoral dos Pescadores; Articulação das Mulheres Pescadoras, Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, Cáritas Diocesana de realizar um diagnóstico das condições de vida destas populações.
Nesse contexto pergunta-se: Como estão as condições de vida e o acesso aos serviços de saúde das famílias que vivem da pesca artesanal e da agricultura familiar em territórios do sertão e do litoral nordestino? Este projeto aborda as condições de vida e o acesso aos serviços da ESF, de famílias e indivíduos, que residem e tem seu modo de vida alicerçado na agricultura familiar e na pesca artesanal, em quatro municípios, nos estados do Ceará e do Rio Grande do Norte.
Os municípios apresentam menos de 3% da população com plano de saúde privado, e um dos municípios, no sertão do Ceará, 99,5% da população depende do SUS. Objetiva-se elaborar indicadores de avaliação das condições de vida das famílias e acesso aos serviços de atenção primária em territórios do litoral e do sertão do Ceará e do Rio Grande do Norte. Trate-se de um estudo misto, que utilizará a combinação diferentes técnicas de coleta de dados, de organização processamento e análise do material, com o intuito de apresentar resultados o mais próximo possível do alcance dos objetivos propostos.
Estudos mistos possibilitam a combinação de diferentes teorias, métodos e fontes de dados e podem ajudar a superar o viés natural que atinge estudos com abordagens singulares. Serão aplicados um formulário fechado junto às famílias, que trabalham na agricultura e na pesca – eixo quantitativo; e serão realizadas entrevistas semiestruturadas com os profissionais de equipes de saúde da família rural (eqSFR), grupos focais com: pescadores e pescadoras e, agricultores e agricultoras, e história de vida de famílias, que vivem e trabalham em regiões remotas nestes municípios – eixo qualitativo.
O material coletado será analisado em softwares quantitativos e qualitativos, adequados a abordagem metodológica. Pretende-se com esses indicadores qualitativos e quantitativos fomentar a abordagem das populações sertanejas e das águas, pela eqSFR com o intuito de contribuir para melhoria na atenção, vigilância e promoção da saúde. Espera-se subsidiar os movimentos populares do campo e das águas na luta por saúde e por outras políticas intersetoriais com vistas a superar as iniquidades em saúde rural.
Nesse sentido, dentre os produtos previstos para essa pesquisa estão incluídos um caderno de narrativas populares, um vídeo, um álbum seriado, artigos científicos, e dois seminários, organizados, a partir do olhar da educação popular em saúde e da Ecologia de Saberes, como estratégias pedagógicas para dialogar com os profissionais de saúde, comunidades e movimentos.
A pesquisa é financiada pelo Programa INOVA Fiocruz e conta com parceiros a Universidade Federal do Ceará, Universidade Estadual do Rio Grande do Norte, Escola de Saúde Pública do Ceará, Conselho Pastoral dos Pescadores, Movimento das Pescadoras e Pescadores, Sindicato de Trabalhadores Rurais do Apodi, Comissão Pastoral da Terra, Secretarias de Saúde de Fortim, Icapuí e Novo Oriente/Ce e Apodi/RN – Núcleo Ecologias, Epistemologias e Promoção Emancipatória da Saúde– NEEPES/Fiocruz.