Estudo liderado por pesquisador da Fiocruz Ceará quantifica mortes de animais em mega incêndio no Pantanal em 2020
Reunidos no Grupo de Estudos em Vida Silvestre (GEVS), pesquisadores de diversas instituições publicaram, no final de setembro, um artigo na British Ecological Society que aponta que incêndios ambientais extremos, como os ocorridos no Pantanal em 2020, devem se tornar cada vez mais comuns, impulsionados pelas mudanças climáticas. Realizado em colaboração com funcionários do Sesc Pantanal que atuam na área há mais de 20 anos, o estudo é liderado pelo pesquisador da Fiocruz Ceará, José Luis Cordeiro, e pelo professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Flamarion Barbosa de Oliveira, que desenvolvem trabalhos de monitoramento ambiental participativo. O artigo, intitulado Modelagem espacial e estimativa da mortalidade de mamíferos pelos mega incêndios do Pantanal em 2020, é primeiramente assinado pelo pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Ismael Brack.
“Os dados apontam que 26 das 27 espécies de mamíferos de médio e grande porte, presentes na região, morreram diretamente devido aos incêndios, com uma estimativa média em torno de 49 mil indivíduos”, revela Cordeiro, um dos organizadores do artigo. O pesquisador da Fiocruz Ceará considera que avaliar os impactos desse tipo de evento extremo em animais silvestres é importante para o planejamento de conservação e pode fornecer informações valiosas sobre como esses impactos se relacionam com a paisagem.
O pesquisador explica que foram usadas as amostragens de carcaças com protocolo de observadores duplos para estimar os números e avaliar os padrões espaciais da mortalidade direta de mamíferos de médio e grande porte em uma reserva com 1.080 km2 no Pantanal Norte, a RPPN Sesc Pantanal. Dentre as espécies mais afetadas estão macacos-prego, cutias, catetos, queixadas, antas, veados mateiro e catingueiro, tamanduás-mirins, quatis e capivaras.
Os dados apontam ainda que, das nove espécies de mamíferos mais impactadas, três são consideradas ameaçadas de extinção (macacos-prego, queixadas e antas). Já se forem consideradas as informações sobre densidade e tamanho das populações no Pantanal, antas, tamanduás e cutias seriam as espécies mais afetadas.
Segundo os autores, a mortalidade direta de mamíferos pelo fogo foi influenciada por aspectos da paisagem relacionados ao hábitat deles, por características das espécies provavelmente relacionadas a estratégias de fuga ou refúgio e pela intensidade dos incêndios. “As mortalidades apresentaram uma relação positiva geral com florestas não-alagáveis (um hábitat sensível ao fogo no Pantanal) e com a severidade dos incêndios”, aponta o artigo. Tanques, pequenos lagos artificiais, estrutura comum na paisagem do Pantanal, apresentou 7,5 vezes mais mortes do que em outras áreas.
Sobre o estudo, o pesquisador da Fiocruz Ceará afirma ter sido possível identificar áreas críticas de concentração de mortalidade associadas a aspectos da paisagem; identificar espécies mais afetadas e avaliar as relações médias para todo o conjunto de mamíferos de médio e grande porte. “Nós discutimos ações de manejo e conservação em dois contextos: priorização de espécies para resgate e monitoramento; e priorização territorial para combate e prevenção de incêndios”, acrescenta. “Até onde sabemos, este estudo é a primeira tentativa de modelar e identificar os fatores que influenciam locais com maior ou menor mortalidades de animais em consequência direta de incêndios ambientais a partir da contagem de carcaças”.
O artigo aponta a influência do comportamento das espécies e as características dos incêndios ambientais, como sua intensidade, na ocorrência e quantidade das mortes por incêndios. “Estimamos que dezenas de milhares (49 mil indivíduos) de mamíferos de médio e grande porte de 26 espécies diferentes morreram devido a esses incêndios catastróficos, na Reserva Sesc Pantanal, que queimaram mais de 90% de sua área em 2020. Se considerarmos as mortes posteriores devido à fome, sede, infecções, doenças pulmonares e exposição a predadores, as estimativas de mortalidade total podem ser muito maiores”, ratifica.
Ainda de acordo com o estudo, a pesquisa pode colaborar prevenindo a ocorrência de incêndios em áreas-chave. “Os impactos do fogo podem ser minimizados reduzindo sua velocidade e gravidade com combate direto ou queimadas prescritas em zonas de amortecimento, evitando que as chamas atinjam essas áreas. Os habitats florestais, particularmente em áreas não inundadas, precisam de atenção especial porque são uma vegetação sensível ao fogo e fonte crucial de alimento (frutas e sementes) para várias espécies”, defende Cordeiro.
Ações pós-incêndio podem priorizar a implementação de ações emergenciais, fornecendo alimentos, água e abrigo em locais-chave e promovendo a restauração de vegetações sensíveis ao fogo (por exemplo, florestas). Finalmente, essas espécies mais afetadas devem ser priorizadas nos planos de monitoramento para avaliar sua recuperação e tendências populacionais futuras.
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Especial da Agência Fiocruz de Notícias sobre mudanças climáticas
Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
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