Diálogo de saberes entre Epistemologias do Sul e Saúde Coletiva buscam descolonizar o conhecimento

Em sua 6ª edição, o curso é realizado pela Fiocruz Ceará em parceria com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e conta com o apoio da vice-presidência de Ensino da Fiocruz, além da vice-presidência de Meio Ambiente, Fiocruz Pernambuco, e a ENSP.

De 23 a 27 de janeiro acontece o curso Internacional A Saúde Coletiva em Diálogos com as Epistemologias do Sul que reúne estudantes de vários estados do país. As aulas são presenciais para Fiocruz Ceará e remotas para a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP).

Segundo um dos coordenadores do curso e pesquisador da área de Saúde Ambiente Fiocruz Ceará, Fernando Carneiro, o momento público é importante para o atual contexto da sociedade brasileira, especialmente diante dos conceitos abordados, “que certamente são muito úteis para quem está na academia querendo ocupar esse território, esse latifúndio do saber.”

As Epistemologias do Sul reúnem categorias como: Sociologia das Emergências, Sociologia das ausências e Ecologia dos saberes. Reflexões aprofundadas com referência na obra do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. “Boaventura nos disse como podemos ser um “rebelde competente”, que significa buscar um equilíbrio entre lutas e práticas na academia. Essa epistemologia nos ajuda a fazer um embate por dentro. O diálogo dos saberes não é algo que se dá de forma superficial. Na discussão da Ecologia de Saberes, o pensamento popular, por exemplo, não é visto como algo inferior, mas nesse diálogo de forma mais horizontal”, explica Carneiro. Acrescenta o pesquisador que é preciso usar um pensamento alternativo para encontrar alternativas. E nesse sentido repensar a saúde para além da ausência de doenças, mas em outras bases críticas para produzir conhecimento novo.

A professora Marina Fasanello, pesquisadora do Núcleo Ecologias, Epistemologias e Promoção Emancipatória da Saúde, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), explicou que o curso vem sendo construído desde 2018 e o diálogo com as Epistemologias do Sul se dá com a intenção de uma transição paradigmática na Saúde Coletiva. “Entendemos que é um processo fruto dos limites de um modelo de sociedade de desenvolvimento que em nome de um progresso e de um consumo desenfreado, se desconectaram da natureza e de viver em comunidade”.

O Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes e o SERPOVOStambém apoiam a iniciativa. 

Bruno Senna Martins, professor da Universidade de Coimbra, afirmou que as comunidades de Epistemologias do Sul estão ligadas a um processo coletivo de construção de conhecimento no espaço acadêmico e fora dele e além do foco na pesquisa, existe também uma forte rede de pesquisadores que se articulam e daí surgem investigações e conhecimentos criados em diferentes lugares do mundo, experiências que vão consolidando as Epistemologias do Sul. Ou seja, o conjunto de práticas sociais, políticas e acadêmicas é que dá densidade a essa corrente epistemológica. “Não podemos pensar as Epistemologias do Sul sem as práticas sociais, sem os progressos do mundo, sem as formas de desconstrução da hierarquia da ciência, as mestras e mestres do mundo, uma forma humilde de tentar aprender e apreender conhecimentos de diferentes lugares”.

Segundo o professor, as Epistemologias do Sul mostram a necessidade de valorização de outras formas de conhecimento, de recusa de um lugar epistemológico que inspire a monopolização. “A justiça social global não é possível sem a justiça cognitivo global. Significa rompermos com a ideia de que existe um centro epistêmico no mundo, que a Europa e o eurocentrismo são os bastiões de um certo saber que ser preservado”, pontua e acrescenta que o desafio é buscar as possibilidades de descentramento e por meio de outras epistemologias fazer da Europa uma província do mundo e não o contrário.

O professor Bruno Martins destaca ainda uma ideia central de Boaventura, ao dizer que os estudos sobre Epistemologias do Sul vão além de uma crítica externa da Ciência, visto que “não existe uma luta mais importante. Há momentos em que pode haver uma luta mais urgente. Pensamos as lutas enquanto conhecimentos. Isso implica que temos que aprender uns com os outros”, ensina e pontua que ao ouvir outras experiências, as Epistemologias do Sul tentam confrontar a suposta universalização que através do colonialismo se disseminou pelo mundo.

Um dos coordenadores do curso, o professor João Arriscado Nunes, refletiu acerca de como as Epistemologias do Sul contribuem para a Saúde Coletiva. Aponta que a Saúde Coletiva ainda está em grande parte centrada nas instituições da medicina moderna, no hospital e baseadas no princípio de que se deve oferecer saúde a toda gente, mas através de instituições às quais as pessoas devem comparecer, quando o importante é criar condições de as instituições chegarem às pessoas.

Nunes destaca as experiências de capilarização dos sistemas de saúde, como o caso dos Agentes Comunitários de Saúde e a proposta da Vigilância Popular da área de Saúde, Ambiente e Trabalho. Nessa ecologia de saberes, o pesquisador evidenciou o quão fundamental é a educação popular para ajudar a identificar “os chamados idiomas da dor, do sofrimento, mas também os idiomas da cura e do cuidado que encontramos em muitas comunidades”.

“Conversa Desenhada”: O artista Ricardo Wagner acompanhou a aula inaugural enquanto fazia o registro em arte.

A pesquisadora da Universidade de Brasília, Dais Rocha, que cursa pós-doutoramento na Universidade Federal do Ceará, na área de ensino da pesquisa qualitativa, confirmou que esse diálogo move interpretações e ao mesmo tempo transforma. “A grande procura por esse curso não foi em vão, porque há escassez desse referencial nos nossos programas de pós-graduação, particularmente na fundamentação das pesquisas qualitativas”, referendou.

Integrantes da equipe da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz participam de forma presencial do curso e entre eles está o coordenador de Ambiente, Guilherme Franco Netto. Segundo o coordenador, essa é oportunidade importante de aprendizado e que será compartilhada para os demais integrantes da equipe da VPAAPS que não participam desta edição do curso. “A ideia é multiplicar a temática para toda a equipe e discutir de que forma os conceitos das epistemologias do Sul poderão contribuir no trabalho realizado pela VPAAPS”.

Informações sobre o curso

O curso, fruto da parceria entre a Fiocruz Ceará, por meio do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família da Rede Nordeste de Saúde da Família (RENASF), Núcleo de Epistemologias, Ecologias e Promoção Emancipatória da Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP), Fiocruz Pernambuco e do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, realizado de 23 a 28 de janeiro de 2023, de forma presencial na Fiocruz Ceará. O Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes e o SERPOVOS (projetos de pesquisa da Fiocruz Ceará integrados à recém-criada Plataforma Tecnológica Socioambiental) também apoiam a iniciativa. Para o pesquisador Fernando Carneiro, um curso como esse não se faz com poucas mãos, existe uma articulação, organização que nesse caso envolveu várias áreas da Fiocruz”.

Na sexta-feira, 28 de janeiro, haverá uma atividade no Quilombo do Cumbe, município de Aracati, Ceará. As aulas são ministradas por professores da Fiocruz e do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

A aula pública está disponível no canal Youtube Participatório em Saúde

https://youtu.be/xSXNNYh1ddA

Texto: Sheila Raquel;

Fotos: João Estabile;

Edição: Carolina Campos e Silvia Batalha (VPAAPS).

Compartilhe.