Aula sobre Racismo Ambiental e Injustiça Climática marca abertura do ano letivo da Fiocruz Ceará
A Fiocruz Ceará promoveu, na quinta-feira (8/5), sua Aula Inaugural 2025. O evento que marca o início do ano letivo da instituição reuniu a comunidade acadêmica para discutir “Racismo Ambiental e Injustiça Climática: reflexões sobre as iniquidades em saúde”. O Doutor em Ciências Sociais Victor de Jesus, Coordenador do Núcleo Capixaba de Estudos da Experiência Humana em Meio Urbano (URBES)/Universidade Federal do Espírito (UFES), falou sobre formas de discriminação e injustiça socioambiental agravados pelos eventos climáticos extremos que afetam principalmente populações e territórios historicamente vulnerabilizados, como população periférica, negra urbana, quilombola, indígena, do campo, das águas e das florestas, bem como grupos como mulheres, pessoas com deficiência e idosas.

Carla Celedônio, coordenadora da Fiocruz Ceará, iniciou o encontro saudando estudantes e pesquisadores e homenageou o vice-presidente de Produção e Inovação em Saúde, Marco Aurélio Krieger, que faleceu no final de abril deste ano, vítima de um câncer. Carla enalteceu sua trajetória e propôs um minuto de silêncio em sua memória. Após a homenagem, a coordenadora agradeceu a participação dos presentes e enalteceu a escolha do tema para a Aula Inaugural, destacando que o encontro poderá contribuir para apontar soluções para este desafio prioritário. “Vamos pensar soluções e formas como a Fiocruz Ceará pode melhorar, efetivamente, junto com as comunidades, na melhoria de vida dessas populações. Cada um fazendo a sua parte, podemos avançar”, ratifica.
Ana Cláudia Teixeira, coordenadora de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz Ceará, também saudou os participantes e agradeceu a presença dos estudantes. A pesquisadora também destacou a relevância do tema da Aula Inaugural e como as populações do campo, da floresta e das águas recebem a maior carga dos danos ambientais do modelo de desenvolvimento da sociedade de marco capitalista, ressaltando que as mudanças climáticas se agravam muito mais em razão do modelo de produção e consumo da sociedade. “Que as reflexões críticas suscitadas sobre o tema da aula possam nos inspirar a pensar estratégias de como nós, da área da saúde, de quem está no Mestrado em Saúde da Família, atuando no SUS, na Vigilância em Saúde, na Atenção Primária à Saúde, onde esses impactos chegam de forma muito forte. Como podemos lidar com tudo isso e repensarmos nossas práticas, linhas de pesquisa e projetos que venham a dialogar com esse tema, hoje tão relevante e cada vez mais importante”.

Novos conceitos, antigos problemas
Victor de Jesus iniciou sua intervenção falando sobre suas pesquisas, focadas na temática do genocídio da população negra no campo da saúde e seus processos. Sua apresentação foi dividida em explicar a diferença entre Meio Ambiente e Saúde Ambiental, sobre o tripé do Racismo e sua interseccionalidade, detalhou o conceito de Racismo Ambiental e Injustiça Climática e ainda reforçou a importância sobre Direitos Humanos e a Equidade em Saúde.
O Doutor em Ciências Sociais falou que pensar em Meio Ambiente muitas vezes remete a um olhar “biologicista”, através da construção do imaginário coletivo, ou sobre os desastres ambientais, menos romantizados, mas raramente em como fazemos parte dele na forma em que a estrutura econômica impacta essa área. “Devemos pensar em Meio Ambiente levando em conta as desigualdades e injustiças ambientais que o modo de produção capitalista, de degradação, interfere na vida das pessoas. Meu convite sociológico é pensar em como esses processos refletem na saúde da população negra, nas iniquidades em saúde e como os fenômenos de injustiça climática agravam os processos já históricos constituídos”.
Lembrando o conceito de saúde defendido pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera o tripé de saúde envolvendo as questões física, mental e social, Jesus problematiza qual o lugar da Saúde Ambiental dentro desse tripé e reitera que, muitas vezes, esta área é negligenciada dentro desses processos de produção da saúde. “Qual lugar a Saúde Ambiental tem ocupado em nossas pesquisas e no nosso olhar de sociedade e de saúde? Como esse fator socioambiental produz saúde ou doenças e mortes”, questiona. O pesquisador considera que o conceito sobre Racismo foi reduzido apenas ao preconceito ou discriminação racial. “Os novos conceitos consideram que o Racismo Estrutural reúne o racismo pessoal, interpessoal e ainda o institucional, lugar que as instituições alimentam, negligenciam e até invisibilizam, transformando-se em racismo que produz desigualdades, inclusive em saúde. Tudo é racializado porque a sociedade é racializada”, reforça.
Victor de Jesus recorreu à história e citou o ativista Benjamin Chavis, autor do conceito de Racismo Ambiental, que percebeu fatos ligados às empresas norte-americanas que despejavam poluentes tóxicos em territórios negros, marginalizados e pobres. “Essa ‘estranha coincidência’ foi denominada Racismo Ambiental, conceito que nasce do movimento social negro”. Já o sociólogo Robert Bullard deu caráter científico à denúncia de Chavis, mapeando a população negra e os locais de aterros tóxicos, chegando à conclusão de que não havia equidade quanto aos descartes: 85% dos aterros estavam nos 15% de territórios de populações negras. “Havia uma desproporcionalidade racial, sem distribuição equitativa ou democratização de riscos ambientais”, acrescenta. Segundo Jesus, o conceito chegou ao Brasil com forte campo de pesquisa, mas foi reduzido a um olhar sobre classe. “Aqui foi ignorado que o conceito de justiça ambiental começa na luta contra o racismo ambiental, apagando a dimensão racial, esvaziando a seriedade do problema e não conseguindo enxergar as desigualdades dentro das desigualdades”.

Citando a escritora Carolina de Jesus, autora do livro “Quarto de Despejo”, mulher preta, periférica e catadora de materiais recicláveis na década de 60 que, através de um diário, narrava seu dia a dia e processos de saúde ambiental em primeira pessoa. Em sua publicação, ela vivencia e conta os problemas ambientais e como o cotidiano produz doença, fome e morte. “A trama é a vida acontecendo, extremamente atual com seus processos de desigualdades. Atualmente temos nanotecnologia nos nossos celulares, conseguimos ir à Marte, mas têm pessoas morrendo de diarreia e leptospirose”, pondera. Segundo Victor de Jesus, existe uma produção de genocídio da população negra que é silenciada e vai além da questão da violência policial, que também é relevante. “Também existe outra forma de genocídio da população negra que é silenciada como a falta de saneamento básico e tantas outras áreas da saúde ambiental que não são sequer estudadas, pesquisadas ou analisadas”, considera.
Segundo Victor de Jesus, os novos debates de mudanças climáticas são o agravamento de problemas ambientais já colocados numa estrutura capitalista de degradação de corpos e territórios racializados, com diferentes populações que historicamente enfrentam insalubridade ambiental. O pesquisador apontou profissões que são impactadas com essas mudanças climáticas e citou os agentes de saúde como exemplo por vivenciarem duplamente essas questões, quer seja nos territórios onde vivem, quer seja enquanto trabalhadores do SUS, sujeitos a diferentes doenças de fatores ambientais, como a dengue. “A interseccionalidade entre saúde e trabalho também deve ser avaliada e considerada”, reforça.

Jesus propõe algumas estratégias para uma Saúde Ambiental coletiva e um SUS sustentável, dentre elas trazer o tema para o centro do debate, como a oportunidade de discutir e ampliar o diálogo proporcionado pela Aula Inaugural. Ele também cita questões como fomento a pesquisas nos territórios, estudos sobre o impacto das mudanças climáticas, demandas das unidades de saúde, plano de contingências climáticas, sensibilização de gestores, capacitação de agentes comunitários de saúde e criação de ações afirmativas nos espaços de poder. “A promoção de equidade é um princípio do SUS, e não é uma escolha assumir ou não um olhar para a equidade. Ele é um pilar que sustenta o SUS. É sobre oferecer mais a quem mais precisa. Produzir equidade e promover a universalidade do SUS é garantir direitos”, defende.
O Dr. Victor de Jesus termina sua intervenção com a pergunta para reflexão: “Como as nossas pesquisas e atuações têm contribuído para o enfrentamento às iniquidades em saúde produzidas pelo racismo ambiental e pela injustiça climática?”. Em seguida, foi facultada a participação do público para interação, com perguntas tanto de estudantes e pesquisadores, com troca de experiências e comentários sobre a aula.
Ao final da aula, Ana Cláudia Teixeira ressaltou “que o tema tratado dialoga e está muito alinhado à Política de Equidade Étnico-Racial e de Gênero da Fiocruz e às linhas de pesquisas que a área de Saúde e Ambiente da Fiocruz Ceará tem desenvolvido no campo da Vigilância Popular em Saúde, com as populações do campo, da floresta e das águas, populações periféricas”. “Então, vejo muitas possibilidades de parcerias futuras que possamos estar construindo com o Victor no campo da pesquisa e em processos formativos, e ainda que esse tema possa ser agregado aos problemas de pesquisa nos programas de pós-graduação em saúde da família”, sintetizou.
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