1° Curso Internacional de Vigilância Popular em Saúde e Monitoramento Participativo reúne especialistas e movimentos sociais para repensar a saúde a partir do olhar da Epidemiologia Crítica
O 1º Curso Internacional de Vigilância Popular em Saúde e Monitoramento Participativo, realizado entre 2 e 5 de dezembro pela Fiocruz Ceará e Universidade Andina Simón Bolívar – CILAB Salud, reuniu profissionais de saúde, gestores e técnicos do Sistema Único de Saúde (SUS), estudantes de pós-graduação, professores, pesquisadores e movimentos populares para repensar a saúde a partir de uma perspectiva crítica, participativa e comprometida com a defesa da vida. Com transmissão ao vivo pelo YouTube e mais de 700 inscritos online, o encontro buscou aprofundar o debate sobre a determinação social da saúde, integrando saberes acadêmicos e populares, e consolidar metodologias de vigilância popular que fortaleçam a participação em saúde no SUS. A iniciativa foi coordenada por Fernando Carneiro, pesquisador da Fiocruz Ceará e do Participatório em Saúde e Ecologia dos Saberes e Jaime Breilh, professor, médico e diretor do CILAB Salud da Universidade Andina Simón Bolívar, no Equador.
O curso foi fruto de esforços conjuntos de pesquisadores da Fiocruz Ceará, Vanira Pessoa, coordenadora de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (CAAPS), de Ana Cláudia Teixeira, coordenadora de Educação Informação e Comunicação (CEIC), de Fernando Carneiro, pesquisador de Saúde Ambiente, de Roberto Wagner Júnior, coordenador geral do Programa de Pós-graduação em Saúde da Família da Rede Nordeste de Formação em Saúde da Família (Renasf), e de Hermano Castro Vice-Presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/FIOCRUZ).
A mesa de abertura reuniu os pesquisadores e docentes da Fiocruz e Carmen Leitão, vice-presidente da Abrasco; Alberto Novaes, representando a Saúde Coletiva na CAPES; Gabriela Reis, do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador do Ministério da Saúde; e Edenilo Barreira, diretor do Departamento de Emergências de Saúde Pública do Ministério da Saúde. O momento evidenciou a necessidade do desenvolvimento de uma práxis a partir de uma perspectiva crítica e participativa, inspirada em conceitos como o da Determinação Social da Saúde, da Epidemiologia Crítica, da Educação Popular, da Ecologia de Saberes, do Bem Viver, da Pesquisa-ação-participativa em diálogo com a academia, SUS e valorizando os saberes e as experiências dos territórios.
Vanira Pessoa destacou o caráter inédito e transformador do evento. “Pensar a saúde a partir da determinação social, articulando vigilância popular e cuidados, exige um olhar crítico e latino-americano. Já conseguimos obter 1300 visualizações do curso no canal do Youtube da Fiocruz Ceará possibilitando que professores, estudantes, movimentos sociais, profissionais do SUS e gestores tenham acesso as aulas ministradas. Foi um processo dialógico e emancipatório”, afirmou. Ela ressaltou que a internacionalização e o intercâmbio de experiências fortalecem o debate sobre equidade em saúde, permitindo avançar em metodologias participativas capazes de responder aos problemas concretos das populações. “A saúde só se efetiva com participação popular significativa, criativa e ousada, ampliando o nosso olhar e nossas práticas frente aos desafios sociais, políticos, econômicos e ambientais”, completou.
Durante o curso, organizações como o MST, a Rede de Médicos Populares e a Campanha Contra os Agrotóxicos trouxeram contribuições práticas sobre a vigilância popular como ferramenta emancipatória, evidenciando que a saúde é um direito que se constrói nos territórios, a partir das lutas e saberes locais. Fátima Guedes, que se identifica como nativa cabocla das Terras Baixas da Amazônia, destacou a importância dessa formação para as bases populares: “Essa formação que a Fiocruz promoveu de vigilância popular em saúde e monitoramento, para mim, a princípio, foi uma novidade. Apesar de que os valores e princípios anunciados já fazem parte da nossa jornada, dos nossos compromissos, falo em nome da minha base, da minha base popular. As contribuições do professor Jaime fortaleceram ainda mais o nosso compromisso, a nossa consciência de que somos parte de tudo isso e que precisamos fortalecer a cada vez mais essa luta, esse enfrentamento, na tentativa de transformar essa realidade.”
Ela também ressaltou a relevância da epidemiologia crítica e a ética científica discutidas durante o curso: “O professor Jaime trouxe uma questão muito importante, a questão da epidemiologia crítica e a saúde dos povos. Nesta obra, ele fala em ciência ética e corajosa em uma civilização doente. Essa percepção vem acompanhando, e nós, da base, ficamos às vezes de mãos atadas, sem ter condições de intervir, porque o discurso técnico, o discurso acadêmico, é quem comanda o processo. E as vozes das bases, infelizmente, não conseguem alcançar esses níveis, e muito menos a abertura para trazer aquilo que nós vivemos, a nossa ética. E a ética que nós vivemos, ela dialoga com a bioética que o professor trouxe. Mais uma vez, gratidão pela oportunidade de nutrir os meus vazios, os nossos vazios, e levar boas sementes, bons frutos, para fortalecer a semeadura.”
Hermano Castro, da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, sublinhou o papel da vigilância popular no novo contexto político brasileiro. “Este seminário nos ajuda a compreender melhor experiências que já estão consolidadas nos territórios. A vigilância popular entra fortemente nesse novo governo, fruto do acúmulo das lutas comunitárias, mas não se trata de cooptação. É um reconhecimento do processo vivo nos territórios, que seguem seu próprio caminho, interferindo e influenciando para que o Estado respeite seus direitos”, afirmou. Hermano reforçou a importância da epidemiologia crítica ao superar a mera contagem de doenças, avançando na compreensão da saúde como construção histórica e social.
Fernando Carneiro, da Fiocruz Ceará, enfatizou o potencial de incidência técnica e política do curso. “É um ato de resistência em defesa da vida, que integra a densidade teórica da epidemiologia crítica, capaz de questionar pilares da ciência moderna, com a prática da vigilância popular emergente, sobretudo a partir da pandemia. Juntar teoria e prática despertou enorme interesse entre os inscritos. A vigilância popular responde às urgências da sociedade, dialoga com o SUS e fortalece comunidades, devolvendo-lhes o poder sobre seus territórios. A parceria com a Universidade Andina Simón Bolívar amplia nossa rede de cooperação latino-americana, abrindo espaços para intercâmbio de discentes, pesquisas conjuntas e produção crítica de conhecimento”, destacou.
Camila Maia, cursista e técnica do Departamento de Emergências de Saúde Pública do Ministério da Saúde, descreveu o curso como “uma imersão na ciência sensível que valoriza o saber popular, repensando paradigmas e reconhecendo o valor das lutas coletivas”. Ao final, prevaleceu o sentimento de que o 1º Curso Internacional de Vigilância Popular em Saúde e Monitoramento Participativo deixou um legado sólido. A articulação entre atores sociais, a consolidação de redes, a integração entre teoria e prática e a valorização da participação popular apontam caminhos para uma saúde pública mais inclusiva, democrática e eficaz, reafirmando a vigilância popular como uma estratégia na busca da justiça social e a defesa da vida.
Jaime Breilh, referência internacional em epidemiologia crítica, destacou a importância de sua participação no curso, enfatizando sua conexão histórica com o Brasil e com a Fiocruz, especialmente a Regional Ceará. “Graças ao convite da Fiocruz e, em particular, da Regional Ceará, pude vivenciar uma das experiências mais marcantes em meu relacionamento com este país irmão. Em primeiro lugar, participei do Congresso de Epidemiologia, onde tive a honra de apresentar uma palestra sobre a Epidemiologia Crítica, no contexto do lançamento da edição em português do meu mais recente livro, publicado originalmente pela Oxford University Press. Essa edição foi cuidadosamente preparada por um grupo talentoso de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo e contou com o apoio da Vice-Presidência de Pesquisa da Fiocruz. Historicamente, a Fiocruz tem desempenhado um papel protagonista na América Latina. Ao longo de minha trajetória, testemunhei como a instituição liderou importantes avanços no pensamento socialmente consciente e inovador em saúde coletiva. A publicação do meu livro em português me aproximou ainda mais dos colegas e das comunidades brasileiras, que têm sido pioneiras em muitos aspectos da saúde coletiva e fundamentais para o movimento latino-americano de medicina social”, destacou.
Jaime ainda falou sobre as impressões e desenvolvimento dos projetos de vigilância popular na Fiocruz Ceará. “Fiquei impressionado com o desenvolvimento de um projeto robusto de vigilância popular na Fiocruz Ceará, considerado o mais significativo da América Latina atualmente. Este projeto tem avançado de forma notável graças à participação ativa e efetiva das comunidades brasileiras, tanto urbanas quanto rurais, em colaboração com os pesquisadores da Fiocruz. Juntos, eles criaram uma experiência transformadora e bem-sucedida, integrando comunidades organizadas à gestão, prevenção e promoção da saúde. O sucesso do curso é reflexo dessa sinergia. Foi um aprendizado mútuo entre academia e coletividade, um exemplo autêntico de vigilância popular. Este modelo reforça o direito das comunidades de participar da planificação, execução e investigação em saúde, dentro de uma visão transformadora e inclusiva. Tal abordagem é perfeitamente aplicável a outras realidades no Brasil e na América Latina”.
Na oportunidade, Jaime agradeceu aos organizadores do evento. “Gostaria de parabenizar Fernando Carneiro, Vanira Pessoa e toda a equipe pela liderança nesse campo. Eles são exemplos de profissionais dedicados que, junto às comunidades, desburocratizaram a saúde coletiva e conceberam novos caminhos que inspirarão toda a América Latina e o mundo. Minha gratidão é imensa pelo apoio à difusão da Epidemiologia Crítica e pelo acolhimento caloroso que sempre recebi no Brasil. Este país irmão, ao qual devo tanto, reafirma sua posição de liderança em saúde coletiva e como uma fonte inesgotável de amizades e aprendizado.”
Assista o curso completo através dos links abaixo:
Dia 02/12/2024 https://www.youtube.com/watch?v=WnT1g5T2o1g&t=660s
Dia 03/12/2024 https://www.youtube.com/watch?v=Qzq0PHMn_Ts
Dia 04/12/2024 https://www.youtube.com/watch?v=cLmgdKhlRVY&t=2s
Dia 05/12/2024 https://www.youtube.com/watch?v=LrNwLaN0Aew&t=13s