COP30 destaca saúde, justiça climática e vigilância popular com participação da Fiocruz Ceará

Fernando Carneiro em painel na Casa COP do Povo, em atividade da Rede MTI, em parceria com FGVces, COIAB, Agro é Fogo e Florestas & Finanças.

Sob um calor úmido que anunciava a própria urgência do debate climático, a COP30, que começou em 10 de novembro e segue até 21 deste mês, transformou Belém em um mosaico de vozes, lutas e saberes territoriais. A conferência, marcada pela presença histórica de povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas, movimentos sociais e organizações comunitárias, colocou a Amazônia no centro do mundo e ampliou temas antes considerados periféricos, como saúde, justiça climática e proteção de populações vulneráveis. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) participa com cerca de 50 representantes de diferentes unidades da instituição, levando pesquisas, debates e experiências sobre os impactos das mudanças do clima na saúde, estratégias de proteção dos territórios e soluções baseadas em ciência. Entre essas participações está a presença da Fiocruz Ceará, representada pelo pesquisador em Saúde Pública, Fernando Carneiro, que integrou a programação da Casa COP do Povo no dia 12 de novembro, em um debate sobre vigilância popular e emergência climática.

Saúde ganha centralidade no debate climático

Após o avanço iniciado em conferências anteriores, especialmente com o fortalecimento da pauta de saúde nas COPs, Belém consolida definitivamente essa agenda como um dos eixos centrais da crise climática contemporânea. O Ministério da Saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS) têm tido espaço ampliado na programação oficial, apresentando diretrizes que conectam emergência climática, vigilância epidemiológica, atenção primária, saúde ambiental e proteção social. Para Carneiro, essa mudança de perspectiva representa uma virada necessária. Ele destaca que o aumento do calor extremo, das secas prolongadas, das enchentes, da falta de saneamento, da contaminação da água e da exposição a agrotóxicos atinge diretamente o corpo das pessoas e agrava desigualdades históricas, reforçando que a crise do clima é, sobretudo, uma crise de saúde.

A maior presença indígena da história das COPs

Uma das marcas mais impressionantes desta edição é a maior presença indígena já registrada em uma conferência do clima. Delegações de diversos povos ocuparam espaços estratégicos da COP30 e promovem uma agenda intensa de mobilizações, reafirmando a importância da relação ancestral com a natureza e o paradigma do bem viver como alternativa civilizatória. Para Carneiro, esta é “a COP do povo”. Segundo ele, o protagonismo indígena deixa evidente que esses povos não reivindicam apenas espaço de fala, mas políticas públicas concretas que reconheçam direitos, protejam territórios e fortaleçam modos de vida que garantem a preservação da floresta. O pesquisador acompanhou a Marcha do Clima e Saúde e testemunhou o deslocamento de muitos indígenas rumo à Zona Azul, reforçando que suas vozes se tornaram centrais na denúncia da injustiça climática global.

Marcha Clima e Saúde, que reuniu mais de três mil pessoas, no dia 11 de novembro. A marcha foi dividida com os indígenas seguindo para a Blue Zone, a área restrita do evento onde ocorrem as negociações oficiais e circulam autoridades. 

Vigilância Popular em Saúde: ciência que nasce dos territórios

Em sua fala na Casa COP do Povo, Fernando Carneiro apresentou experiências de Vigilância Popular em Saúde desenvolvidas ao longo de cinco anos em parceria com comunidades indígenas, camponesas, ribeirinhas e urbanas. A metodologia rompe com o modelo tradicional de pesquisa ao priorizar processos colaborativos, em que os próprios moradores participam da concepção, execução e análise das ações de vigilância. Ele descreveu episódios marcantes, como barreiras sanitárias mantidas por aldeias durante a pandemia da Covid-19; pescadores do Ceará que percebem o desvio irregular da água do mangue pelo sal acumulado na pele; comunidades do Pantanal e da Amazônia que detectam contaminação por agrotóxicos pelo cheiro da água; e o uso de drones como ferramenta de autodefesa para registrar garimpo ilegal, pesca predatória e invasões, garantindo segurança às lideranças locais. Carneiro enfatiza que a vigilância popular não substitui o papel do Estado, mas aponta caminhos e cobra ações concretas. Ele afirma que “a vigilância popular gera dados e decisões a partir do território e o corpo é o primeiro indicador”, reforçando a urgência de políticas públicas baseadas na realidade vivida pela população.

Resultados globais tímidos e desafios estruturais

No balanço geral da COP30, o pesquisador destacou que, embora tenham ocorrido avanços importantes no debate sobre saúde e justiça climática, os resultados globais seguem tímidos diante da gravidade da crise planetária. Para ele, a ausência dos Estados Unidos e a postura cautelosa da Europa evidenciam a resistência histórica dos países ricos em financiar perdas e danos, evitando assumir responsabilidades pela mudança do clima. Enquanto isso, populações vulneráveis continuam enfrentando enchentes devastadoras, secas extremas, contaminação da água e do solo, insegurança alimentar, migração forçada e impactos diretos na saúde coletiva. Em sua análise, dois possíveis legados da COP30 estão em disputa: o legado das redes e alianças criadas entre povos, movimentos sociais e pesquisadores, que fortalecem uma governança popular; e o legado das políticas públicas, que dependem de pressão contínua para que os planos de clima e saúde ultrapassem intenções e se transformem em ações efetivas e permanentes nos territórios.

O papel estratégico da Fiocruz e uma mensagem final de resistência

Para Fernando Carneiro, a participação da Fiocruz na COP30 ratifica o papel estratégico da instituição na articulação entre saúde, meio ambiente, ciência e justiça social. “A atuação da Fundação demonstra compromisso com a defesa dos direitos das populações mais afetadas pelas mudanças climáticas e com a produção de conhecimento comprometido com a vida, além de fortalecee os debates sobre vigilância popular, emergência climática e soberania dos povos, ampliando a visibilidade de experiências que conectam saberes tradicionais, ciência e políticas públicas. Hoje é tempo de semear, mas também de colher e preparar novas semeaduras. Que esta COP gere políticas públicas que cheguem a quem mais precisa. E que a sociedade continue vigilante, porque cuidar da vida exige coragem e compromisso coletivo”, destaca o pesquisador.

Fernando Carneiro, Mário Moreira, presidente da Fiocruz, e Paulo Gadelha, Coordenador da Estratégia Fiocruz para a Agenda 2030 e Presidente da Fiocruz (2009-2016) – (Da esquerda para direita)

Reconhecimento internacional e inclusão na Biblioteca de Ação em Saúde de Belém

A experiência brasileira de Vigilância Popular em Saúde, construída ao longo de anos por pesquisadores da Fiocruz em parceria com movimentos sociais e comunidades tradicionais, ganhou novo destaque internacional durante a COP30. A metodologia foi incorporada à Belém Health Action Library, uma biblioteca global lançada pela ATACH – Alliance for Transformative Action on Climate and Health, que reúne práticas inovadoras de adaptação e resiliência em saúde apresentadas na conferência. A plataforma funciona como um repositório mundial de soluções reais para enfrentar os impactos da crise climática, complementando o Plano de Ação em Saúde de Belém.

Dentro dessa biblioteca, a vigilância popular aparece em um estudo de caso dedicado, intitulado Popular Health Surveillance in Brazil, que descreve a abordagem brasileira como uma referência de participação comunitária, produção compartilhada de dados e integração de conhecimentos científicos e tradicionais. O documento destaca o papel das brigadas, dos pesquisadores populares e das estratégias territoriais que fortalecem a proteção de comunidades afetadas por secas extremas, inundações, uso de agrotóxicos e outras ameaças agravadas pelo clima. A inclusão desse material na Biblioteca de Ação em Saúde de Belém reforça que o trabalho coordenado por Fernando Carneiro e diversos parceiros não se limita ao âmbito local e passa a integrar o conjunto de iniciativas internacionais consideradas fundamentais para orientar políticas públicas de saúde e clima no mundo.

Acesse em: https://www.atachcommunity.com/our-impact/case-studies/popular-health-surveillance-in-brazil/


Galeria de Fotos


Casa COP do Povo: exposição de arte feita com cinzas da floresta, criada por Mundano, reúne obras produzidas a partir das cinzas de diferentes biomas brasileiros. O espaço também destaca a memória de ativistas ambientais assassinados em todo o mundo


Abertura da Cúpula dos Povos e posteriormente o Dia da Saúde, com lançamentos de vários planos


Barco Rainbow Warrior, do Greenpeace, registrado durante um pôr do sol seguido de chuva

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