Pesquisa da Fiocruz Ceará entrega resultados parciais de contaminação de mariscos após derramamento de petróleo no Estado
Pesquisa da Fiocruz Ceará que avalia os impactos na segurança alimentar, causados pelo derramamento de petróleo em Fortim, Litoral Leste do Estado, divulga seus primeiros resultados. O projeto, coordenado pela pesquisadora Margareth Gallo em parceria com o Instituto Terramar (Andrea Camurça), NPDM/UFC (Cláudia Pessoa e Bruno Soares) e PUC-RJ (Renato Carreira), foi contemplado com o edital “Apoios Emergenciais Nordeste”, do Fundo Socioambiental CASA. A Secretaria do Meio Ambiente do Ceará é parceira do projeto, contribuindo com análises físico-químicas bimestrais da água realizadas pelos colaboradores Gustavo G. Amorim e Samuel Aquino.
Durante os três primeiros meses de pesquisa, foram coletados mariscos do tipo Mytella strigata, que atuam como sentinelas para o monitoramento da poluição provocada pelos hidrocarbonetos poli cíclicos aromáticos (HPAs) e metais pesados provenientes do petróleo. A coleta foi realizada em um ponto localizado no estuário do Rio Jaguaribe e a análise evidenciou que o nível de HPAs e dos metais pesados cromo, vanádio, zinco, níquel, cobalto, chumbo, cádmio e mercúrio está dentro dos limites recomendados pelos órgãos reguladores.
Além disto, o ensaio toxicológico (Cometa) mostrou que os mariscos apresentaram seu material genético sem danos significativos, o que indica que eles não estão sofrendo ação de poluentes que são tóxicos ao seu DNA, ou seja, existe um baixo risco de contaminação da população que se alimenta destes animais.
A pesquisadora Margareth Gallo avalia que os resultados positivos são reflexo da iniciativa do Governo Estadual ao implantar uma barreira de contenção na foz do Rio Jaguaribe na época do derrame, e da mobilização das marisqueiras de Fortim, Cumbe e Canavieiras que sensibilizou as entidades parceiras para a realização desta pesquisa.
O projeto foi contemplado com o edital em fevereiro de 2020, mas em virtude da pandemia do coronavírus, a coleta dos mariscos só aconteceu a partir de agosto do ano passado e se estenderá por um ano. Nos próximos meses, os mariscos serão coletados em outros pontos do Rio Jaguaribe, como na comunidade quilombola do Cumbe e Canavieiras, ambas em Aracati.
Apesar das análises iniciais apresentarem resultados dentro dos níveis da normalidade, elas ocorreram somente um ano após o derramamento do petróleo, a partir da atuação de movimentos e de organizações da sociedade civil junto a entidades parceiras com o aporte do Fundo Socioambiental Casa. O Estado, que tem o dever de garantir a defesa e a preservação do meio ambiente, não acionou o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo (PNC), deixando as comunidades tradicionais expostas aos riscos e ameaças à sua saúde além de arcarem sozinhas com os prejuízos gerados pelo incidente sobre sua economia, pois a comercialização dos mariscos e peixes ficou reduzida, por quase um ano, aos pequenos estabelecimentos e feiras locais.
Sobre o derramamento
No dia 30 de agosto de 2019 surgiram as primeiras manchas de óleo no litoral do Nordeste, no município de Conde, litoral sul da Paraíba. O derramamento se espalhou por todos os estados da região e dois estados do Sudeste, Espírito Santo e Rio de Janeiro, atingindo mais de 1000 localidades, em cerca de 130 municípios. Foi o maior desastre ambiental brasileiro, extensivo, sem fonte identificada, envolvendo decisões em condições de incertezas.
No Ceará, vinte e oito praias e várias unidades de conservação foram afetadas, além do registro da morte de cerca de 30 tartarugas devido à exposição direta ao petróleo. A pesca artesanal foi duramente prejudicada. Pescadores e marisqueiras viram suas vendas reduzidas e, por falta de alternativa econômica, se viram obrigados a se alimentar dos mariscos e peixes sem saber se estavam expostos ao perigo de contaminação tanto por meio do alimento quanto pelo contato com a água e sedimento no dia a dia de suas funções.
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Em caso de desastre/crime ambiental, os poluidores, sejam eles diretos ou indiretos, são responsáveis pelas despesas de acompanhamento e reparação dos danos ambientais, assim como a assistência às pessoas atingidas. Porém, até agora, responsável pelo derramamento não foi identificado.
O Instituto Terramar avalia que não cabe a sociedade arcar com os danos causados por qualquer atividade econômica, como no caso da mineração/extração do petróleo. Segundo o Instituto, “as externalidades negativas devem ser incorporadas na produção pelas empresas público e/ou privada que exploram recursos minerais, conforme $ 2º do art. 225 e no art. 4º., VII, da Lei no. 6.938/1981. O não acionamento do PNC pelo Estado brasileiro o responsabiliza indiretamente pelo ocorrido”, informa.
O PNC prevê tarefas e responsabilidades, em caso de vazamento de petróleo, para o poluidor público ou privado, direto ou indireto, pela atividade causadora de degradação ambiental. De acordo com o documento, em caso de entendimento de responsabilidade civil do Estado por omissão ou ainda em situação em que o poluidor (identificado) não responde a contento a reparação de danos aos/as impactados/as, a União teria responsabilidade solidária com os causadores diretos do desastre/crime.