A partir do ano de 2020, com a chegada da pandemia de Covid-19 no Brasil, novas formas de violências e de resistências no campo foram percebidas através do monitoramento do Centro de Documentação Dom Tomas Balduíno, da CPT. Dado o contexto de uma nova dinâmica dos conflitos, foi necessário pensar em como se registrar essas novas ações. A avaliação naquele momento também era de que aquelas ações poderiam não ter continuação nos anos seguintes, dada a incerteza que se instaurou durante aquele contexto.

Uma dessas novas formas de ações que se destacaram no contexto da pandemia foram as barreiras sanitárias. Diversas comunidades realizaram bloqueios nas estradas de acesso aos seus territórios, impedindo a circulação de pessoas externas à estas comunidades. Muitas das vezes esses sujeitos externos são na verdade invasores, que costumam adentrar os territórios com intenções de explorar as águas e a terra, do território em questão, em benefício próprio.

Nessas condições, o registro de barreiras sanitária no banco de dados da CPT seguiu as seguintes orientações:

  1. Registrou-se o nome barreira sanitária nos casos em que a comunidade realizou algum bloqueio ou controle de quem entrava e saía da comunidade.
  2. Os casos de barreira sanitária foram computados enquanto conflitos quando havia clara omissão do Estado em realizar o controle sanitário e também em casos que, diante dessa omissão, havia denúncias de sujeitos tentando invadir o território em que existia uma auto-organização do povo para bloquear o acesso de terceiros.

Quando registrado quantitativamente (como conflito), a barreira sanitária é contabilizada como uma violência e não como uma resistência.

Estas escolhas foram feitas sob o seguinte critério: não alterar as violências e resistências que vinham sendo registradas historicamente, pois era vista como uma situação esporádica, momentânea.

Houve a compreensão de que a barreira sanitária, enquanto resistência, não se encaixaria nas formas de registro de manifestações de luta, ao mesmo tempo que registrá-la como ação de resistência implicaria em abrir uma nova forma se somaria aos conflitos, tal como acampamentos e ocupações e retomadas, podendo gerar uma anomalia na série histórica. Dado o contexto de incertezas gerados pela pandemia, optou-se por não expandir para essa nova forma de registro

Por outro lado, o que ficou claro é que as barreiras sanitárias eram uma forma do povo de resistir à algumas violências concretas e que já eram registradas e denunciadas desde os primórdios da CPT, tais como as invasões, pistolagens, grilagem, destruição de casas, intimidações, ameaças de morte. O que também fica claro é que esses povos estavam a mercê da ação de grileiros, fazendeiros, garimpeiros e mesmo turistas (sobretudo em comunidades caiçaras litorâneas, tal como a comunidade de Trindade, em Paraty, Rio de Janeiro).

Houve barreiras criadas por prefeitura para impedir que indígenas circulassem pela cidade e o Ministério Público Federal se manifestou contrário à ação do governo municipal. Ou ainda, barreira criada pela comunidade e que a prefeitura usou a polícia para desmontar, sendo que tempos depois o governo municipal auxiliou na organização da barreira como forma de proteger a comunidade.

Importante também a denúncia sobre invisibilidade de indígenas em contextos urbanos nos dados sobre a COVID-19, uma vez que não foram considerados e representam 36% da população indígena.

A renda das comunidades do campo, floresta e águas reduziu no período da pandemia: para quem vive do artesanato ou da venda da produção da comunidade, o distanciamento e as barreiras impediram o escoamento. E, ao buscar o Auxílio Emergencial, havia o risco de contaminação no retorno para a comunidade.

Muitos saberes desapareceram com as mortes de pessoas idosas ocorridas nas comunidades.

As ações de Vigilância Popular em Saúde, oriundas dos registros da CPT, são fruto de uma decisão metodológica desta organização em criar uma forma de quantificar ações sem que impactasse de forma incisiva a série histórica de registro quantitativo – pelo nome do conflito -, mas que por ser uma forma de organização de resistências das comunidades também fossem registrada qualitativamente, em textos de ocorrências e que se realizasse a coleta e guarda da documentação referente a estes casos.

Localização 1/3

Bloqueio em estradas.

Imagem de barreira sanitária dos Pataxó na aldeia Mucugê, TI Comexatibá. Foto: Ingrid Ãgohó Pataxó

Fonte: https://cimi.org.br/2020/05/povo-pataxo-amplia-barreiras-covid-19-providencias-estado/

Localização 2/3

Bloqueio em rio: troncos de árvore e barco de secretaria estadual de saúde.

Imagem dos povos Yawanawá bloqueiam o Rio Gregório com troncos de árvores | Foto: Biraci Yawanawá

Fonte: https://amazoniareal.com.br/coronavirus-cacique-yawanawa-determina-lockdown-no-rio-gregorio-no-acre/

Localização 3/3

Porteira fechada e uso de cercas na entrada das comunidades.

Imagem do registro da comunidade Avá-Guarani que controlaram a entrada e a saída de pessoas da Terra Indígena | Foto: comunidade do Oco’y

Fonte: https://cimi.org.br/2020/06/covid-19-chega-aos-ava-guarani-da-ti-ocoy-tendo-frigorifico-como-vetor-barreira-sanitaria-e-atacada/

Formato 1/4

Vigilância com pessoas 24 horas: este formato de barreira foi possível pelas doações de alimentos e outros itens para famílias envolvidas nas barreiras.

Imagem da vigília noturna na TI Barata do Livramento, em Roraima.

Fonte: https://deolhonosruralistas.com.br/2020/04/14/bloqueios-de-indigenas-para-garantir-isolamento-ja-atingem-12-estados-e-23-etnias/

Formato 2/4

Bloqueio com objetos: uso de correntes, cartazes com frases como “Se Cuide, Cuide de Todos! Fica em Casa”,  troncos de árvores, cercas, placas, cancela com canos PVC. Registro de uso de um Icat xè xà (saia grande de palha) e não sendo suficiente foi colocada corrente.

Imagem da barreira sanitária na aldeia Baixa do Lero, Entre Serras Pankararu/ PE.

Fonte: https://marcozero.org/indigenas-tem-suas-proprias-estrategias-para-combater-coronavirus/

Formato 3/4

Uso de aferidor de temperatura e álcool para higienização.

Imagem da barreira sanitária na aldeia Piankó, Entre Serras Pankararu/ PE.

Fonte: https://marcozero.org/indigenas-tem-suas-proprias-estrategias-para-combater-coronavirus/

Formato 4/4

Orientação para adequada realização de barreiras: uso de cones de trânsito, correntes, fitas zebradas, capas de chuva, coletes de trânsito, tendas, alimentos, lanterna, luvas descartáveis, máscaras, toucas descartáveis, termômetro infravermelho, jato d’água, macacão hospitalar, protetor facial, álcool em gel e borrifador e outros itens que possam colaborar com a prevenção.

Imagem: Com apoio da Guarda Municipal, Associação Quilombola Borda do Lago Negros de Betinho intensifica barreira sanitária para impedir entrada de visitantes em Petrolândia/Tacaratu/PE.

Fonte: https://www.assisramalho.com.br/2020/06/petrolandiatacaratu-covid-19-com-apoio.html

Restrição 1/5

Vans, combis e carros particulares que fazem fretes: permissão para passar na barreira uma vez por dia com 3 passageiras/os e a/o motorista, totalizando 4 pessoas.

Registro da barreira sanitária em Paraty/RJ.

Fonte: https://passapalavra.info/2020/09/134379/

Restrição 2/5

Carro só segue na barreira se o destino não é aldeia.

Imagem mostra a faixa na entrada da aldeia proíbe a entrada de não indígenas no território do Povo Xakriabá. Foto: Povo Xakriabá

Fonte: https://cimi.org.br/2020/04/policia-militar-invade-terra-indigena-e-coloca-em-risco-povo-xakriaba-que-mantinha-medidas-de-distanciamento-social/

Restrição 3/5

Proibida a circulação de carros dentro da comunidade, exceto ambulâncias e viatura policial.

Imagem: Com apoio da Guarda Municipal, Associação Quilombola Borda do Lago Negros de Betinho intensifica barreira sanitária para impedir entrada de visitantes em Petrolândia/Tacaratu/PE.

Fonte: https://www.assisramalho.com.br/2020/06/petrolandiatacaratu-covid-19-com-apoio.html

Restrição 4/5

Entrada em comunidade somente após fazer teste.

Imagem: Com apoio da Guarda Municipal, Associação Quilombola Borda do Lago Negros de Betinho intensifica barreira sanitária para impedir entrada de visitantes em Petrolândia/Tacaratu/PE.

Fonte: https://www.assisramalho.com.br/2020/06/petrolandiatacaratu-covid-19-com-apoio.html

Restrição 5/5

Entrada só é liberada depois que a temperatura corporal é medida, passa por higienização das mãos com álcool em gel e esteja com máscaras.

Imagem da barreira sanitária na aldeia Piankó, Entre Serras Pankararu/ PE.

Fonte: https://marcozero.org/indigenas-tem-suas-proprias-estrategias-para-combater-coronavirus/

Envolvidos 1/2

Pessoas da comunidade: registros indicam que a maior parte das barreiras foram realizadas pelas comunidades. Na Aldeia Tereré, onde moram aproximadamente 800 pessoas, o cacique Sebastião Figueiredo, definiu que cada família iria de cumprir uma escala semanal de 24 horas. Numa comunidade, oito indígenas permaneciam na barreira à noite.

Envolvidos 2/2

Funcionárias/os públicos:

  • Polícia Militar: um caso em que havia acordo de acionar em caso de necessidade. Na imagem abaixo, é o registro de coação da polícia em relação à barreira realizada pela comunidade Pataxó.
  • FUNAI: a participação deste órgão é controverso, havendo locais onde pode ter participado ou que só afirmou participar. Há também registros de locais onde a FUNAI foi contrária às barreiras.
  • Funcionárias/os da prefeitura.

Imagem mostra coação da pela Polícia Militar diante da barreira criada pelo povo Pataxó | Foto: Povo Pataxó

Fonte: https://www.viomundo.com.br/denuncias/cimi-denuncia-funai-apropria-se-de-barreiras-sanitarias-de-indigenas-para-esconder-do-stf-que-nada-fez-contra-covid-nas-aldeias.html

Entrave 1/4

Comunidade faz barreira e as comunidades do entorno não. Numa situação como esta, gerou solicitação de que Exército faça as barreiras.

Registro da barreira sanitária em Paraty/RJ.

Fonte: https://passapalavra.info/2020/09/134379/

Apoio 2/4

Ministério Público Federal: pressionou prefeituras e FUNAI para atuarem em atenção aos indígenas. Diante de cenário de genocídio, orientou a FUNAI a restringir acesso aos territórios indígenas e à SESAI para criação de espaços de quarentena nas cidades.  MPF/ES viabilizou a implementação da barreira sanitária onde estão atuando na barreira profissionais da saúde da Sesai/Funai, lideranças indígenas e policiais militares. MPF/AM 2 deu prazo de 5 dias para ações no Vale do Javari por Funai, Sesai, Dsei, ao estado do Amazonas e ao município de Atalaia do Norte.

Imagem mostra povo Pataxó: As barreiras sanitárias foram criadas como autogestão dos territórios contra a entrada do vírus nos territórios. Foto: Povo Pataxó

Fonte: https://cimi.org.br/2020/12/funai-se-apropria-de-barreiras-sanitarias-para-mascarar-ineficiencia-das-politicas-de-combate-a-pandemia/

Apoio 3/4

Frente Parlamentar: Deputada Joênia cobrou pagamento R$ 600 e adiantamento do calendário vacinal.

Imagem mostra Guardiões da Fronteira fazem barreira sanitária contra a Covid-19 na entrada da aldeia Mundo Novo.

Fonte: https://ceara.fiocruz.br/serpovos/2021/07/16/barreira-sanitaria-garantiu-que-nenhum-caso-de-covid-fosse-registrado-na-aldeia-mundo-novo/

Apoio 4/4

Organizações: Associação Brasileira de Homeopatia Popular, Tearfund, além das organizações articuladas com as comunidades e movimentos sociais.

Imagem mostra barreira sanitária na aldeia Baixa do Lero, Entre Serras Pankararu,/ PE.

Fonte: https://marcozero.org/indigenas-tem-suas-proprias-estrategias-para-combater-coronavirus/

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Este estudo faz parte do projeto “Impacto da Pandemia de COVID 19 nas Populações do Campo, Floresta e das Águas do Brasil”, desenvolvido pela Fiocruz. O objetivo inicial do projeto era localizar e quantificar o impacto da Pandemia de COVID 19 nas populações do campo, floresta e águas. No entanto, os dados sobre saúde disponibilizados pelas agências governamentais não possuem uma dimensão que nos permita identificar diretamente o número de casos, agravamentos e óbitos ocorridos nos grupos populacionais em questão.

Por sua vez, a partir dos dados do Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal – CadÚnico1, é possível identificar o número de pessoas cadastradas que fazem parte de grupos populacionais tradicionais e específicos2, que estão relacionadas com as populações do campo, floresta e das águas. Além disso, existem variáveis que identificam famílias indígenas e quilombolas. Considerando os dados de maio de 2024, o contingente nesses grupos populacionais tradicionais, famílias indígenas e quilombolas corresponde a 10,6 milhões de pessoas, que equivalem a 11% das pessoas do CadÚnico.

Dentro do universo referente a esses grupos tradicionais, famílias indígenas e quilombolas, verificamos uma predominância de pessoas negras3, com aproximadamente 77%, e 7% de pessoas indígenas. Em relação à situação dos domicílios, 69% das pessoas estão em domicílios rurais. Por fim, em relação ao grau de instrução escolar, 61% das pessoas possuem escolaridade declarada como “Sem Instrução” ou “Ensino Fundamental Incompleto”, enquanto apenas 1% está com escolaridade “Superior incompleto ou mais”.

Sendo assim, foram realizadas análises considerando dimensões que permitem nos aproximar do objetivo da pesquisa, tais quais a tipologia rural-urbana do município em que o paciente reside, raça/cor e grau de escolaridade.

Sendo assim, o estudo foi dividido em duas partes. Para a primeira parte, foram analisados os dados referentes aos casos e óbitos por COVID, disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Nessa parte foram calculados indicadores referentes à incidência, letalidade e mortalidade, para cada uma das cinco categorias de acordo com a tipologia rural-urbana dos municípios.

Na segunda parte, foi utilizado o Banco de Dados de Síndrome Respiratória Aguda Grave – SRAG, que é gerido pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, vinculada ao Ministério da Saúde. Nessa segunda parte o principal indicador analisado foi a letalidade acumulada por SRAG-COVID. Um aspecto importante dessa base é que existe a informação da idade de cada caso ocorrido. Dessa forma, foi possível separar os casos de SRAG-COVID por faixa etária. Por se tratar de uma doença cuja letalidade varia muito com a idade, sempre foi adotada a segregação por faixa etária para cada forma de categorização utilizada. Além da tipologia rural-urbana, foram analisadas diferenças por macrorregião, raça/cor e nível de escolaridade.


Parte 1 – Análise da incidência, letalidade e mortalidade por COVID-19, de acordo com a tipologia rural-urbana dos municípios.


Para essa parte do estudo, foram analisados os dados referentes aos casos e óbitos por COVID, disponibilizados pelo Ministério da Saúde (https://covid.saude.gov.br/). A data de referência adotada foi o dia 31/12/2022, portanto foram utilizados os valores de óbitos e casos acumulados nessa data. Os dados disponíveis nessa base estão detalhados por município. Portanto, foi possível agrupar os municípios em 5 categorias, conforme indicado na publicação “Classificação e caracterização dos espaços rurais e urbanos do Brasil : uma primeira aproximação” (IBGE, 2017). Na própria base utilizada, também está disponível a população de cada disponível, referente ao ano de 2019. Dessa forma foi possível calcular indicadores referentes à incidência (número de casos por habitantes), letalidade (número de óbitos por número de casos) e mortalidade (número de óbitos por habitantes), para cada uma das cinco categorias de acordo com a tipologia rural-urbana dos municípios.

Os indicadores de morbimortalidade evidenciam, nessa primeira análise, uma situação pior nos municípios urbanos, quando comparados com as demais categorias. Vale destacar que a população nesses municípios corresponde a cerca de 77% da população total do país.

Por outro lado, vale ressaltar que nessa base de dados não temos informações em relação a idade, nível de escolaridade ou raça/cor. A idade do paciente, em particular, é um fator muito significativo em para todos esses indicadores. Portanto, esses primeiros resultados devem ser considerados com cautela, pois podem estar comparando categorias com uma estrutura etária muito diferente. Por isso é importante considerar uma análise que leve em conta a faixa etária, como será da segunda parte do estudo.

De qualquer forma, a grande concentração populacional existente nos municípios urbanos brasileiros parece ter ser um fator importante na mortalidade por COVID, considerando a grande diferença observada na mortalidade entre municípios urbanos e rurais.

  • A mortalidade acumulada por COVID nos municípios classificados como “Urbanos” foi pouco mais que o dobro da observada nos municípios com classificação “Rural Remoto”.
  • Tanto a incidência acumulada quanto a letalidade acumulada nos municípios urbanos foram significativamente maiores que nos municípios “Rurais Remotos” ou “Rurais Adjacentes”.
Fonte: Elaboração própria. Dados disponíveis em: https://covid.saude.gov.br/. Data selecionada para casos e óbitos acumulados: 30/11/2022.

Tabela 1 – Indicadores relacionados à COVID agrupados pela tipologia rural-urbana do município.

Parte 2 – Análise da letalidade acumulada por SRAG-COVID-19

Para a segunda parte do estudo, foi utilizado o Banco de Dados de Síndrome Respiratória Aguda Grave – SRAG, referentes aos anos de 2020 (SRAG-2020), 2021 e 2022 (srag-2021-e-2022). Essa base é gerida pela Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, vinculada ao Ministério da Saúde, e a notificação dos casos de SRAG é compulsória em casos de hospitalização ou óbito por síndromes respiratórias. Nela são disponibilizados os microdados referentes a cada caso, contemplando mais de 150 dimensões, desde aspectos relacionados à saúde até aspectos sociais, como escolaridade, raça/cor, município de residência e faixa etária.

O principal indicador analisado foi a letalidade acumulada por SRAG-COVID (número de óbitos por número de casos de SRAG-COVID ocorridos em determinado período). O período adotado foi de 2020 a 2022, ou seja, casos cujos primeiros sintomas ocorreram entre 1o de janeiro de 2020 e 31 de dezembro de 2022.

Para as faixas etárias de 0 a 1 ano, e de 1 a 9 anos, a letalidade acumulada por SRAG-COVID nos municípios classificados como “Rural Remoto” foi muito maior que a observada nos municípios urbanos. Esse dado chama bastante atenção, e é um indício forte de desigualdade referente às condições de assistência para as pessoas residentes em municípios rurais e urbanos, nessas faixas etárias.

Entretanto, essa é apenas uma das dimensões analisadas, e é possível que existam outros fatores que ajudem a explicar a causa dessas diferenças. É importante ressaltar, por exemplo, que a maior parte da população dos municípios Rurais Remotos reside nas regiões Norte (50%) e Nordeste (29%). Sendo assim, serão apresentadas outras análises referentes a outras características geográficas e sociais para o mesmo indicador, sempre separando os casos por faixa etária.

  • Para a faixa de 0 a 1 ano, a letalidade acumulada por SRAG-COVID nos municípios classificados como “Rural Remoto” (18,1%) foi de mais que o dobro da observada nos municípios urbanos (6,9%).
  • Para a faixa de 1 a 9 anos, a letalidade acumulada por SRAG-COVID nos municípios classificados como “Rural Remoto” (6,9%) foi quase o dobro da observada nos municípios urbanos (4,0%).
Fonte: Elaboração própria. Dados disponíveis em: https://covid.saude.gov.br/. Data selecionada para casos e óbitos acumulados: 31/12/2022.


Tabela 2 – Letalidade acumulada por SRAG-COVID, agrupada pela tipologia rural-urbana do município e faixa etária.

Assim como observado na análise anterior (tipologia rural-urbana), foi observada uma grande desigualdade entre macrorregiões na letalidade acumulada por SRAG-COVID. As regiões Norte e Nordeste apresentam as maiores letalidades acumuladas por SRAG-COVID para todas as faixas etárias. A maior razão entre letalidades acumuladas de diferentes categorias ocorreu para a faixa de 0 a 1 ano, quando comparamos as regiões Nordeste e Sul.

Portanto, a análise quantitativa sugere que as diferenças regionais parecem ser um fator significativo para as desigualdades em relação à letalidade por SRAG-COVID, especialmente entre bebês e crianças.

  • As regiões Norte e Nordeste apresentam as maiores letalidades acumuladas por SRAG-COVID para todas as faixas etárias.
  • Para a faixa de 0 a 1 ano, a letalidade acumulada no Nordeste foi 5 vezes a da região Sul.
  • Para a faixa de 1 a 9 anos, a letalidade acumulada no Nordeste foi mais de 2 vezes a da região Sudeste.
Fonte: Elaboração própria. Dados disponíveis em: https://covid.saude.gov.br/. Data selecionada para casos e óbitos acumulados: 31/12/2022.

Tabela 3 – Letalidade acumulada por SRAG-COVID, agrupada por macrorregião e faixa etária.

Pessoas com raça/cor declaradas como indígena ou preta apresentaram as maiores letalidades acumuladas por SRAG-COVID para todas as faixas etárias. Mais uma vez, as maiores desigualdades foram verificadas para as menores faixas etárias, sendo o caso mais extremo o da faixa de 0 a 1 ano, onde a letalidade acumulada para os bebês indígenas foi mais do que 4 vezes a dos bebês brancos.

  • Para a faixa de 0 a 1 ano, a letalidade acumulada para os bebês indígenas foi mais do que 4 vezes a dos bebês brancos. A letalidade dos bebês com raça/cor amarela, parda e preta também foi significativamente maior (1,5 a 2 vezes a dos bebês brancos).
  • Para a faixa de 1 a 9 anos, a letalidade acumulada das crianças indígenas foi de aproximadamente 3 vezes a das crianças brancas.
Fonte: Elaboração própria. Dados disponíveis em: https://covid.saude.gov.br/. Data selecionada para casos e óbitos acumulados: 31/12/2022.


Tabela 4 – Letalidade acumulada por SRAG-COVID, agrupada pela raça ou cor declarada pelo paciente e faixa etária.

Para a análise em relação ao grau escolaridade, foram consideradas apenas casos de pessoas com 20 anos ou mais. De forma geral, observamos um comportamento consistente de redução da letalidade acumulada conforme se aumenta o nível de escolaridade. Também se nota maiores diferenças para as faixas etárias menores.

  • As pessoas com os menores níveis de escolaridade apresentaram as maiores letalidades acumuladas para todas as faixas etárias, exceto para a faixa de 80 anos ou mais. Nessa última, as diferenças foram pequenas.
  • A maior razão entre letalidades acumuladas de diferentes categorias ocorreu para a faixa de 20 a 29 anos. Para essa faixa, a letalidade de pessoas sem escolaridade foi quase 5 vezes a de pessoas com nível superior.
Fonte: Elaboração própria. Dados disponíveis em: https://covid.saude.gov.br/. Data selecionada para casos e óbitos acumulados: 31/12/2022.


Tabela 5 – Letalidade acumulada por SRAG-COVID, agrupada pelo grau de escolaridade e faixa etária.

Referências

IBGE, 2017. Classificação e caracterização dos espaços rurais e urbanos do Brasil : uma primeira aproximação / IBGE, Coordenação de Geografia, Rio de Janeiro: 2017.

1 Obtidas a partir do CECAD 2.0 (https://cecad.cidadania.gov.br/tab_cad.php), referente ao mês de maio de 2024.
2 Foram selecionados os seguintes grupos: 201-Familia Extrativista, 202-Familia de Pescadores Artesanais, 203-Familia Pertencente a Comunidade de Terreiro, 204-Familia Ribeirinha,  205-Familia Agricultores Familiares, 301-Familia Assentada da Reforma Agraria, 302-Familia Beneficiaria do Programa Nacional do Credito Fundiario, 303-Familia Acampada e 304-Familia Atingida por Empreendimentos de Infraestrutura.
3 Raça/cor declarada como parda ou preta.