Produção de óleo de coco agroecológico fortalece saúde e bem viver no Sítio Coqueiro

Processo de beneficiamento do coco para a produção do óleo agroecológico feito pelo grupo Balanço do Coqueiro. Na foto, a integrante do SERPOVOS Flora Viana participa da etapa de raspagem do coco durante visita da equipe de pesquisa-ação à experiência (Foto: Acervo SERPOVOS)

A 47 quilômetros do centro do município de Itapipoca, no distrito de Marinheiros, está o Sítio Coqueiro. Uma comunidade onde residem 32 famílias e cerca de duzentas pessoas. Ela faz parte do Assentamento Maceió, um território de reforma agrária com mais 11 comunidades tradicionais. É do Sítio Coqueiro a segunda experiência de saúde cadastrada e selecionada que o SERPOVOS visitou, no final do mês de abril de 2022. 
 

Conhecendo a experiência 

Para as mulheres e jovens da comunidade que formam o grupo Balanço do Coqueiro, a saúde está intimamente ligada à valorização da cultura alimentar, à defesa do bem viver no território e à manutenção das condições de permanência das juventudes no meio rural, onde vivem. A experiência cadastrada pelo grupo tem a ver com todos esses aspectos. É a produção do óleo de coco agroecológico, resultado do trabalho de preservação do cultivo e do beneficiamento do fruto na comunidade Sítio Coqueiro.  

O Balanço do Coqueiro é um grupo cultural, que atua com expressões artísticas de dança, teatro, música e poesia, e que viu no coco não apenas um elemento percussivo para suas apresentações, mas um símbolo que identifica a comunidade e sua cultura alimentar, além de uma fonte de renda para possibilitar a permanência dos jovens do grupo no campo.

Integrantes do Grupo Balanço do Coqueiro (Foto: CETRA)
Local de cultivo de coqueiros na comunidade (Foto: Acervo SERPOVOS)

O coco faz parte da culinária tradicional dos povos da região, que são agricultoras e agricultores familiares, marisqueiras, pescadoras e pescadores, e povos indígenas. Os saberes do manejo e da produção foram passados de geração para geração, e mantidos vivos até hoje como parte do processo de luta em defesa do território. Do coco, além do óleo, o grupo Balanço do Coqueiro produz azeite, cocada, farinha de coco e coco ralado. O pontapé para o trabalho se deu há mais ou menos dez anos, quando a empresa Ducoco, que se instalou nos limites do Assentamento Maceió, começou a procurar os agricultores da comunidade para comprar o coco por um preço irrisório. Ao invés da comercialização da matéria-prima, jovens e mulheres do Sítio Coqueiro deram início a uma mobilização para convencer a comunidade a comercializar o coco dentro do Sítio Coqueiro e produzir derivados do fruto gerando renda para as famílias.  

O convencimento junto aos demais moradores da comunidade, especialmente os agricultores, não se deu apenas por uma questão financeira. Fazer negócio com a empresa representava também o apagamento gradual dos saberes tradicionais e uma ameaça socioambiental ao território, uma vez que a Ducoco tem sua produção baseada no monocultivo em larga escala e no uso de agrotóxicos, afetando a biodiversidade local e a saúde da população. Organizar o processo produtivo em torno do coco nessas circunstâncias fortaleceu a defesa da agroecologia como concepção e prática de vida que repercute na saúde, no trabalho, na organização comunitária e na autoproteção.  

O grupo tem trabalhado oficialmente com a produção do óleo de coco agroecológico desde 2017, a partir do incentivo e da assessoria técnica do CETRA – Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador e à Trabalhadora, organização social parceira que atua pela convivência com o Semiárido na região.

Nesta experiência é importante destacar a participação das jovens mulheres do grupo no Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE), a partir do qual fortalecem a perspectiva das relações de gênero e do protagonismo feminino no campo.  

Recentemente o trabalho do grupo foi tema de pesquisa no Laboratório de criação da Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco, equipamento ligado à Secretaria de Cultura do Estado do Ceará. E a pesquisadora foi Rojane dos Santos, mais conhecida como Novinha, uma das jovens lideranças da comunidade e integrante do grupo Balanço do Coqueiro, além de presidente da Associação Comunitária Vida Melhor. Com suporte da equipe da Escola e do grupo, ela explorou as potencialidades gastronômicas, nutricionais, laboratoriais e econômicas do óleo de coco.  

Atualmente, o grupo comercializa o óleo de coco através da Rede de Feiras Agroecológicas e Solidárias dos Vales do Curu e Aracatiaçu, em Itapipoca; no Quiosque Agroecológico, em Sobral; e na Feira Agroecológica e Solidária de Fortaleza, organizada pelo CETRA. O Balanço do Coqueiro também tem levado óleo de coco agroecológico para outras partes do país. Agora em junho, Novinha representou o grupo na 1ª Feira Nordestina da Agricultura Familiar e Economia Solidária, em Natal. 
 

Pesquisa-ação no território 

No primeiro dia de visita à comunidade Sítio Coqueiro, a equipe SERPOVOS conhece o local de beneficiamento do coco (Foto: Acervo SERPOVOS)

Novinha foi quem cadastrou no site do SERPOVOS a experiência de produção do óleo de coco agroecológico do Balanço do Coqueiro. Na manhã do dia 29 de abril, ela recebeu nossa equipe em seu quintal, onde tivemos o primeiro momento de interação e de escuta sobre a história da comunidade. O encontro também foi para pactuar o percurso metodológico da pesquisa-ação no Sítio Coqueiro.  

A visita do SERPOVOS ao território teve como objetivos conhecer e aprofundar aspectos relevantes da experiência; dialogar sobre saúde das populações do campo, da floresta e das águas a partir da visão do grupo, da comunidade e dos movimentos envolvidos com a experiência, como o MMTR-NE; discutir como o grupo compreende inovação e experiências significativas no SUS a partir da Atenção Primária à Saúde; e por fim, possibilitar diálogo entre a comunidade, pesquisadoras, pesquisadores e os profissionais da saúde que atuam no território.   

À tarde, visitamos dois equipamentos públicos no Assentamento Maceió: a Unidade Básica de Saúde Jacaré e a Escola de Ensino Médio Nazaré Flor, uma escola do campo, fruto da luta pelo direito à educação contextualizada, encampada pelo Assentamento Maceió e o Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais Sem Terra do Ceará no território. 

Lá tivemos a oportunidade de dialogar com o professor João Alves sobre saúde a partir do ensino e da prática da agroecologia. Conhecemos o viveiro da Reforma Agrária Popular e a mandala da escola, um sistema de produção agroecológico que se faz em círculos e com cultivo diversificado. A formação sobre agroecologia é um aspecto central da educação contextualizada, que fortalece os saberes e as práticas de convivência com o semiárido onde vivem.

Já na UBS, conhecemos a enfermeira Ana Maria e as agentes comunitárias de saúde Maria Lucinete, Maria Nayane, Maria Cleidiane, Francineide e Salete Félix. Mas a conversa foi breve, porque nossa visita coincidiu com os dias de Campanha Nacional de Vacinação. Motivo pelo qual a equipe da unidade não pôde estar presente na oficina da pesquisa no dia 30, que aconteceu pela manhã, na igreja da comunidade Sítio Coqueiro.  

A oficina teve início com uma grande ciranda, ao som da percussão do grupo Balanço do Coqueiro, seguida de rodada de apresentação das e dos participantes. Depois foi respondido individualmente e de forma sigilosa por cada participante um instrumento de avaliação dos parâmetros de inovação da Atenção Primária à Saúde (APS). Após este momento a oficina seguiu com as estações das inovações em saúde da família na APS. Foram formados 5 grupos. Eles percorreram separadamente cada estação e responderam às seguintes questões: 

1ª estação – para você, como a experiência do óleo de coco agroecológico contribui para a saúde dos participantes?   

2ª estação – para você, o que é o cuidado em saúde? 

3ª estação – como as suas necessidades de saúde e desta comunidade são atendidas pela APS e SUS?  

4ª estação – como é o diálogo, a conversa, a comunicação com o profissional da saúde (ACS, enfermeiro, médico e outros) que já te atendeu na APS, seja na consulta, seja na visita domiciliar?  

5ª estação – como inovar no cuidado em saúde junto com a população que usa a APS e o SUS nos territórios?  

A expressão das questões levantadas nas estações foi sistematizada em forma de desenhos pelos participantes num grande tecido em formato de saia. A ideia é que a saia circule por todas as experiências, e que ao final, um grande mosaico da saúde dos povos do campo, da floresta e das águas se forme a partir das vivências nos territórios.  

Por fim, fizemos um debate sobre a compreensão de saúde e o acesso aos serviços pela comunidade, sobre a atuação do poder público municipal diante das necessidades da população local, e sobre os aprendizados e perspectivas de fortalecimento do direito à saúde com a experiência desenvolvida pelo grupo Balanço do Coqueiro.  

Entre os pontos destacados está a importância de se repensar as práticas da APS/ESF e inovar a formação dos trabalhadores que vão para o território. A comunidade relatou pré-julgamentos sobre seus modos de vida por parte de profissionais da equipe de saúde. A respeito disso foi falado sobre a importância de desenvolver e promover um atendimento humanizado, vencendo preconceitos e barreiras da formação em saúde para trabalhar com as populações rurais. Foi destacado o papel positivo do agente comunitário que atende Sítio Coqueiro, um profissional disponível para contribuir com a comunidade, mas que precisa ter condições de aperfeiçoamento da formação para poder colaborar mais com o cuidado em saúde.  

A comunidade entende que alguns dos problemas no acesso ao SUS são questões que dizem respeito à organização e à estrutura de saúde no município. As equipes de saúde em geral enfrentam o desafio de cobrir extensas regiões e de chegar em lugares de difícil acesso, às vezes sem equipamentos e transporte adequados, o que reduz o tempo, a frequência e impacta na qualidade das visitas às comunidades.    

Em relação à compreensão do direito à saúde, a comunidade também faz uma autocrítica. Existe uma cultura de procurar os serviços de saúde apenas quando o corpo padece. Isso reforça o olhar sobre o SUS somente para a sua dimensão assistencial, e é preciso que a comunidade exerça o controle social para cobrar também as ações de promoção da saúde, reconhecendo que elas são fundamentais para a população rural.  

Ao final da oficina, cada participante produziu uma carta respondendo à questão “o que é, na sua opinião, uma saúde inovadora?“, além de uma avaliação da atividade de pesquisa de campo SERPOVOS. 

Toda a atividade foi sistematizada pelo arte-educador Ricardo Wagner que produziu a conversa desenhada do momento. 

Registros da conversa desenhada da oficina produzida pelo arte-educador e integrante da pesquisa-ação Ricardo Wagner (Fotos: Acervo SERPOVOS)

A oficina teve a participação de 18 pessoas, entre integrantes do Balanço do Coqueiro, agricultoras e agricultores, e outros moradores da comunidade: Rojane dos Santos, Juliana dos Anjos, Maria Mano, Bárbara dos Santos, Maria José Martins, Antônio Raimundo dos Santos, Rosilene Alves, Tainara dos Santos, Maria Dosirvania dos Santos, Maria Rossivane dos Santos, Regiane Alves, Darliene dos Santos, Antônio Romário Alves, Márcia Félix (agente comunitária de saúde da UBS Marinheiros), Guilherme Sousa, Antônio Valdenir, Hosanira dos Santos e Diego José dos Santos. 

Registro do grupo que participou da oficina territorial da pesquisa-ação na comunidade Sítio Coqueiro
(Foto: Acervo SERPOVOS) 

Já contamos no relato sobre a visita ao Jardim Medicinal da ESF Baixio das Palmeiras que as experiências selecionadas pela pesquisa, o percurso metodológico das oficinas e as informações coletadas durante as visitas territoriais estão sendo sistematizadas para a produção de Cadernos Técnicos Populares. Eles trarão subsídios para que a Estratégia Saúde da Família possa se aperfeiçoar no trabalho junto aos povos do campo, da floresta e das águas em busca de ecologia de saberes. 

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