SERPOVOS quer ouvir territórios e fazer pontes pelo direito à saúde

Roçado da aldeia Mundo Novo, da Terra Indígena da Serra das Matas, na cidade de Monsenhor Tabosa
Foto: Hilda Potyguara

No dia 02 de dezembro de 2021, a Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo, da Floresta e das Águas* completará 10 anos de existência. Ela foi fruto do amadurecimento e da articulação política da sociedade em torno do direito à saúde. O mesmo processo que gestou o Sistema Único de Saúde (SUS) na 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) em 1986, desembocou na aprovação das políticas de saúde integral de diferentes populações durante a 14ª CNS, em 2011. Foram elas: a população negra, os povos indígenas, os povos ciganos e os povos do campo e floresta. 

A razão para a construção de políticas públicas específicas vinha da responsabilidade do Estado brasileiro em fazer valer o direito à saúde para todas e todos, em coerência com os fundamentos do SUS, principalmente em seus princípios de universalidade, integralidade e equidade.  

Mas aprovar a política não era o bastante. Uma vez conquistada, era preciso monitorá-la e colaborar para a sua efetivação. Com esse objetivo, pesquisadores, movimentos sociais, gestores e trabalhadores do SUS se uniram em 2012 para constituir o Observatório de Saúde das Populações do Campo, da Floresta e das Águas, o Obteia. Este coletivo, por sua vez, fomentou entre os pesquisadores a criação do grupo de pesquisa Saúde do Campo, da Floresta e das Águas no contexto da Ecologia de Saberes, vinculado à Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).  

O SERPOVOS – Saúde, Cuidado e Ecologia de Saberes é uma pesquisa-ação deste grupo e propõe um trabalho no Ceará a partir do acúmulo de aprendizados com a atuação do Obteia. Através da identificação e do diálogo com os povos e trabalhadores do SUS envolvidos em experiências inovadoras de cuidado à saúde no campo, floresta e águas, o SERPOVOS quer contribuir para que essas iniciativas ganhem visibilidade e se tornem referência para o SUS e para outros territórios. 

Vanira Matos Pessoa, coordenadora geral desta pesquisa-ação e pesquisadora em saúde pública da Fiocruz Ceará, defende que esse processo de diálogo será muito importante para destacar ações de referência para a Política Nacional de Saúde Integral desses povos: “A perspectiva é construir um plano coletivo com os sujeitos dessas experiências para disponibilizar aos gestores públicos e influenciar na política”. Para Fernando Carneiro, coordenador adjunto do SERPOVOS e também pesquisador da Fiocruz Ceará, a iniciativa vai olhar através da sociologia das ausências e das emergências, proposta pelo sociólogo Boaventura de Sousa Santos, a fim de jogar luz e enxergar o que o SUS ainda não foi capaz de ver. 

Em decorrência do histórico de invisibilização ou negação de sua existência, os povos do campo, floresta e águas enfrentam o desconhecimento de suas condições de vida por parte do Estado. A fragilidade ou ausência de dados sobre sua realidade tem consequências sobre a efetividade e qualidade dos serviços de saúde que chegam até essas populações. Com a defesa de que todos os povos precisam ser cuidados e com o compromisso de fazer ciência para atender às demandas sociais dos povos mais excluídos, o SERPOVOS quer ouvir os territórios, fazer pontes com as equipes de saúde e os gestores, e possibilitar análise, reflexão e trabalho conjunto em prol da garantia do direito à saúde.   

O SERPOVOS – Saúde, Cuidado e Ecologia de Saberes está sendo realizado por meio do projeto Estratégia Saúde da Família: diálogos, saberes e práticas inovadoras e emancipatórias em respostas às necessidades sociais em saúde nos territórios do campo, da floresta e das águas no Ceará/Brasil, coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Ceará), com o apoio dos Programas de Políticas Públicas e Modelos de Atenção e Gestão à Saúde da Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas (Rede PMA) e Inova Fiocruz. 

A iniciativa também congrega o projeto Identidades, memórias e práticas de cuidados em saúde: convivências ancestrais e os desafios atuais na defesa do direito à saúde e da vida em territórios indígenas no sertão do Ceará, também realizado pela Fiocruz Ceará através do programa Inova. 


 *Os povos das águas foram incluídos na Política apenas em 2014 com a articulação do movimento de pescadoras e pescadores.

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