Barreira sanitária impede entrada do coronavírus na aldeia Mundo Novo
Daniela Teodózio Tabajara tinha 30 anos, era liderança de seu povo e trabalhava como Agente de Saúde Indígena. Ela foi a primeira vítima da Covid-19 entre os povos indígenas do Ceará. Daniela morava em Grota Verde, uma das 36 aldeias da Terra Indígena da Serra das Matas, localizada dentro dos limites do município de Tamboril. Na mesma TI está a aldeia Mundo Novo, a 18 km da sede da cidade de Monsenhor Tabosa.
A morte de Daniela levou luto e apreensão aos parentes. Naquele momento, pouco se sabia sobre o novo coronavírus e a doença que ele provocava, mas a ameaça foi se materializando na perda de Daniela e em cada novo caso de infecção que aparecia nas aldeias do território. Conscientes de sua imunidade mais frágil, pelo contato menos frequente com os não-indígenas, as lideranças de Mundo Novo se reuniram para traçar estratégias de proteção.
No dia 6 de maio de 2020 instalaram uma barreira sanitária na entrada da aldeia. “Nós temos 17 homens, que têm o nome de Guardiões da Fronteira, e eles fazem o rodízio. Todo dia vão dois ou três, e ficam de seis da manhã às seis da tarde. Graças ao nosso pai Tupã que até hoje nunca teve um caso de Covi-19 aqui”, compartilha Teka Potyguara, uma das lideranças de Mundo Novo.
Toda a população acima de 18 anos já foi vacinada, mas os indígenas de Mundo Novo seguem mantendo os cuidados e não tem previsão para desfazer a barreira. Eles estão atentos aos casos de Covid no entorno da aldeia e na sede dos municípios vizinhos, e também às variantes, que ainda podem representar riscos. Diante disso, Teka faz questão de frisar: “A gente continua usando máscara, mesmo aqui dentro, continua mantendo afastamento, e também tendo muito cuidado com as mãos, usando álcool em gel ou mesmo água com sabão. Então, isso é o que vem sustentando a nossa situação”.
A simples medida de proteção que foi tão renegada por governos municipais, estaduais e federal, segue fazendo toda a diferença em Mundo Novo. A consciência é o que mantém os guardiões firmes em seu trabalho, como revela um deles, Jardel Potyguara: “Ser guardião da fronteira é uma grande responsabilidade, porque tem uma grande missão, que é proteger a aldeia, proteger os nossos parentes, os nossos curumins. Por isso que até hoje nunca teve Covid-19 aqui na aldeia Mundo Novo, porque a gente tem essa função de proteger e de comunicar as demais pessoas que vêm nos visitar que respeitem o isolamento e o distanciamento social”.
Mesmo se mantendo protegidos da doença, é claro que há muito sofrimento provocado pela pandemia, como as próprias restrições de contato e circulação, e a preocupação com os parentes de outras aldeias. Quem acompanha essa realidade é o agente de controle de endemias da Secretaria de Saúde Indígena (SESAI) Elvis Aroerê Tabajara. Ele mora na aldeia Olho D’Aguinha, próxima a Mundo Novo, e trabalha nas aldeias dos municípios de Monsenhor Tabosa, Boa Viagem e Tamboril, além da aldeia Quixaba, em Santa Quitéria. “Hoje grande parte dos nossos usuários sofrem de problemas emocionais. Desde as informações que chegam de forma distorcida, principalmente sobre a Covid-19… Isso vem afetando muito as pessoas; não só o corpo físico, mas o espírito, a parte emocional”, conta Elvis.
Para os indígenas, a saúde está intimamente vinculada à espiritualidade e ao contato com a natureza, às suas ervas e rezas. É pegando carona nesse aspecto que o agente de endemias chama atenção para as particularidades que são a essência da identidade do seu povo. Para trabalhar pelo direito à saúde dos indígenas, Elvis diz que é preciso “tentar entender e valorizar as práticas tradicionais, porque antes de ter a medicina científica nas aldeias, nós tínhamos e ainda temos até hoje os nossos praticantes da medicina tradicional, a espiritualidade, o contato com a natureza. E isso precisa ser valorizado, documentado, pesquisado”. Sua fala se entrelaça aos objetivos da iniciativa SERPOVOS, da qual ele e Teka Potyguara fazem parte e ajudam a construir.