Moradores de Açailândia/MA lutam contra os impactos do complexo siderúrgico e da mineração ao longo da estrada de Ferro Carajás

Ano 01

Nº 09

Nos dias 17 e 18 de junho, o Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes realizou a pesquisa de campo em Açailândia/MA. A experiência de Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho cadastrada trata sobre Monitoramento ambiental comunitário da qualidade do ar em área próxima de grande complexo siderúrgico, na região do Piquiá, em Açailândia – MA.

No primeiro dia, a equipe do Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes, da Justiça nos Trilhos (JnT) de Açailândia e membros do Coletivo Edvard Dantas Cardeal fizeram um percurso pelo território para conhecer o contexto dos impactos da mineração, do agronegócio e do complexo siderúrgico nas comunidades de Piquiá de Baixo e do Assentamento Francisco Romão.

O grupo visitou ainda Piquiá da Conquista, território conquistado pelas comunidades, onde serão reassentadas 312 famílias que recebem os impactos do complexo siderúrgico de Piquiá, Açailândia.

Já no dia 18, foi realizada a oficina de VPSAT, que contou com a participação das comunidades de Piquiá, Assentamento Francisco Romão, Assentamento Novo Oriente e das organizações: Rede de Cidadania (RdC) de Açailândia, Fórum de Políticas Públicas de Buriticupu – MA, Associação dos Deficientes de Açailândia (ADEFIA), Sindicato dos Bancários (SindBancários), Mulheres Artesãs, Sindicato dos Empregados no Comércio de Açailândia (SindComerciários), Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH-CB), Pastoral da Criança, Pastoral da Juventude (PJ), Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e a equipe da Justiça nos Trilhos (JnT).

A oficina teve o objetivo de discutir e analisar a experiência cadastrada e elaborar um plano de ação para o enfrentamento dos problemas e dificuldades encontradas na realização da experiência, bem como para definir estratégias visando fortalecer, ampliar e dar continuidade à experiência de VPSAT.

Ana Cláudia, coordenadora adjunta do projeto explica que as comunidades têm construído ao longo de décadas uma luta incansável pela garantia de direitos fundamentais que lhes proporcionem uma vida digna e de qualidade. “A despeito dos desafios que enfrentam e da magnitude dos impactos que recebem, oriundos dos processos produtivos, a esperança do verbo ‘esperançar’, como dizia Paulo Freire, está presente em cada ação de luta. Dizia Freire ‘[…] Esperançar é se levantar, esperançar é ir atrás, esperançar é construir, esperançar é não desistir! Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo […]’. As lutas das comunidades de Piquiá e dos Assentamentos do campo de Açailândia expressam muito bem o sentido de ‘esperançar’ de Freire”.

Valdenia, da Justiça nos Trilhos afirma que é muito importante a parceria entre a Justiça nos Trilhos e a Fiocruz. “Por ser a Fiocruz uma fundação científica com reconhecimento público pelo relevante serviço científico que presta à sociedade, a parceria, além de produção de conhecimentos, legitima as atividades desenvolvidas pela Justiça nos Trilhos na defesa dos direitos das comunidades impactadas pelas atividades ligadas à mineração e ao monocultivo”.

De acordo com Valdenia, a atividade realizada pela Fiocruz Ceará possibilitou desenvolver várias dimensões, tais como: identificar problemas e potenciais de resolutividades no território; fortalecimento das redes locais; construção de respostas e estratégias para o enfrentamento de problemas identificados. “Cabe destacar a formação para jovens realizada em 2016 pela Fiocruz sobre a metodologia para medição da qualidade do ar. Essa formação preparou jovens da comunidade para seguir com o monitoramento que produziu provas dos impactos poluentes. Tais evidências foram relevantes nos pleitos administrativos e judiciais na busca de reparação de danos da comunidade”.

O papel da juventude na luta

Valdenia explica que a Justiça nos Trilhos sempre acreditou que a juventude tem uma força vital nas lutas por direitos. “A indignação, a inquietude e a curiosidade são características que se acentuam na juventude. Investir em sua formação e promover espaços a ela é uma estratégia que sempre dá certo. Na luta pelos direitos da comunidade de Piquiá de Baixo e das comunidades da zona rural impactadas pela mineração, a juventude tem desenvolvido um papel relevante nas denúncias, na comunicação, na produção de estudos e pesquisas e nas manifestações públicas. Todas essas ações se juntam na luta pela afirmação dos direitos humanos e da natureza dessas comunidades”.

João Paulo Alves é de Açailândia, gestor ambiental e é um dos membros do Coletivo Edvard Dantas Cardeal e Educador Popular na Justiça nos Trilhos. Ele afirma que a juventude tem um papel fundamental nas lutas do bairro, desde a comunicação, o monitoramento e os intercâmbios entre outras comunidades do Brasil e do mundo. “Utilizamos as redes como forma de diálogo e de divulgação dos enfrentamentos que realizamos, e as universidades e escolas como ponto de apoio para não deixar que a história e a luta do povo sejam esquecidas”.

Impactos

Valdenia explica que o município de Açailândia é um dos vinte e três municípios impactados pela logística da mineração ao longo da estrada de Ferro Carajás, dentro do estado do Maranhão. Em Açailândia está a comunidade de Piquiá de Baixo que é a mais impactada pelas atividades ligadas à mineração. “Os danos são tão lesivos que as famílias serão obrigadas a serem reassentadas em outra localidade. Entre os problemas gerados pela poluição das siderúrgicas localizadas naquele bairro e a logística da estrada de ferro para o transporte do minério de ferro e grãos, podemos destacar os problemas respiratórios e doenças de pele; problemas na estrutura das casas com rachaduras e poluição sonora. Outro empreendimento com graves impactos é o monocultivo, pois a expansão do agronegócio com o plantio de soja e eucalipto reduziu significativamente a diversidade do bioma, a diversidade do cultivo alimentar além de expulsar grande parte dos agricultores familiares de suas terras”.

Ana Cláudia lembra que durante as atividades realizadas pela Fiocruz, os participantes trouxeram pautas importantes como “a efetivação dos direitos humanos e do meio ambiente, das políticas públicas que garantam saúde, qualidade de vida, bem-estar e educação das comunidades, além do fortalecimento e ampliação do monitoramento ambiental comunitário para outros territórios”.

Ana Cláudia afirma que “em meio a toda degradação, observa-se a luta incansável das comunidades afetadas por uma vida digna que passa pela conquista de direitos fundamentais como o acesso à saúde e à educação, à água potável, solo e ar livres dos poluentes dos processos produtivos. Soma-se a essa luta, o apoio de diversas redes, fóruns, entidades e organizações. Foi uma vivência de muito aprendizado e partilha. As atividades realizadas nesses dois dias mostraram o quão potente é a construção coletiva no enfrentamento dos desafios e das adversidades”.

Piquiá da Conquista

De acordo com Valdenia, diante dos graves problemas de saúde provocados pelas atividades ligadas à mineração, inclusive com resultados de morte, a comunidade precisou se organizar e buscar parcerias para reivindicar seu direito à saúde e moradia. Ela explica que com muita articulação local, nacional e internacional, produção de provas e ações judiciais, a comunidade logrou conquistar um terreno – pago pelo sindicato das empresas – para a construção das casas para o reassentamento. “A construção das casas está sendo financiada pelo então Programa Minha Casa Minha Vida. Infelizmente ainda há uma luta a ser travada para que as famílias não tenham que pagar esse financiamento, pois elas tinham casas e estão sendo obrigadas a serem reassentadas. De toda forma, o reconhecimento por parte das autoridades públicas do direito ao reassentamento é uma conquista importante da comunidade de Piquiá. Por isso o novo bairro receberá o nome de Piquiá da Conquista”.

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