Pescadores/as artesanais de Fortim denunciam que a carcinicultura vem prejudicando o modo de vida da comunidade

Ano 1
Nº08

No dia 10 de julho, o Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes realizou as atividades em Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho (VPSAT) com as marisqueiras e pescadores da comunidade de Jardim, em Fortim, onde seus modos de vida estão ameaçados pela carcinicultura e pela invisibilidade frente às políticas públicas no reconhecimento de seus direitos como pescadoras e pescadores.

Camila Batista, da Secretaria Executiva do Conselho Pastoral dos Pescadores Regional CE/PI (CPP) foi quem cadastrou a experiência de VPSAT. Ela explica que mesmo com um cenário adverso, as entidades governamentais, nas variadas esferas municipais, estaduais e federal não apresentaram medidas que atendessem as demandas das comunidades. “Então, em várias rodas de conversas, as lideranças comunitárias pediam que fizéssemos seus gritos chegarem à cena pública a fim de garantir sensibilidade social. Como o Participatório é reconhecido enquanto um instrumento de abrangência ampla e de grande impacto no processo de sistematização de impactos negativos relacionados à saúde, ambiente e trabalho, fez-se oportuno registrar essa experiencia de luta em defesa do Rio Jaguaribe e assim possibilizar que a Fiocruz possa construir junto às comunidades uma agenda prioritária para enfrentamento dos agravos ao ecossistema e às populações pesqueiras que tem uma função socioambiental e socioeconômica tão importante para o conjunto da sociedade e a sustentabilidade dos ecossistemas essenciais para o equilíbrio climático”.

Oscar Carneiro de Albuquerque, presidente da Associação dos Moradores do Sítio Jardim, explica que as eólicas e a carcinicultura chegaram na comunidade, mas não levaram benefícios para os moradores. “Essas coisas que vieram não trouxeram benefícios. Na verdade, vieram atrapalhar a convivência da comunidade. E isso aí é uma coisa que a gente até hoje vive tentando ver se melhora, mas é muito complicado. Elas vieram com mil e uma coisas de revolução que afetaram a nossa comunidade sobre a pesca, sobre a venda e tudo isso atrapalhou essa parte de venda dos nossos mariscos e dos nossos peixes. Isso foi o que mais prejudicou a gente, sobre a questão dos impactos, da pesca. A gente ficou um período aqui que não tinha marisco, não tinha o peixe. O peixe se afastou bastante também. Foi muito difícil, foi muito ruim aqui para a nossa comunidade”.

A pescadora Maria Eliene Pereira do Vale, mais conhecida como Maninha, aponta que, desde os anos 90 até hoje, os maiores impactos sofridos pela comunidade são causados pela carcinicultura. “Passamos um tempo sem ter tanto problema com a carcinicultura, mas com a reativação da carcinicultura aqui, para gente no baixo Jaguaribe, aqui perto do encontro do rio com o mar é muito difícil. A carcinicultura acaba com a vida do manguezal, acaba com os nossos alevinos, tira o berçário natural dos nossos pescados. Isso afeta demais a comunidade, afeta demais as pescadoras artesanais. A gente também está sentindo que o nosso rio está se perenizando no decorrer dos anos. Desde 2010 a eólica que instalou esses parques eólicos no Cumbe vem afetando diretamente e indiretamente a nossa comunidade”.

Um dos principais impactos causados, de acordo com Maninha, é justamente a morte dos peixes e a falta do marisco. “Hoje nós estamos sofrendo com a falta do sururu. A gente não consegue dizer diretamente que é só pela carcinicultura. A gente tem intuição que sim, que são as águas dos viveiros junto com o rio que também já vem poluído de tudo, sofrido e nos afeta muito”.

A vigilância popular

Questionada sobre como a comunidade vem realizando a sua vigilância popular em saúde, Camila explica que a mística diária da comunidade tem relação direta com o Rio Jaguaribe. “Dessa forma, a observação, e o olhar vigilante de pescadoras e pescadores artesanais é constante. Ao observarem alguma mudança na água, comportamento das espécies ou ecossistema comunitário isso logo é relatado para as lideranças. A associação comunitária é um instrumento de organização muito atuante nesse processo de vigilância popular, pois estimula a observação do ambiente local, partilha das informações e articula a relação com órgãos de saúde na esfera municipal e regional, pauta pesquisas, elabora denúncias junto as entidades parceiras”. Camila ainda ressalta que a comunidade tem assento no conselho municipal de saúde onde são pautadas atenção especificas aos adoecimentos e ausências de políticas públicas para a comunidade.

Maninha afirma que “A nossa vigilância somos nós mesmos. Nós guardiões do nosso território que fazemos. Tudo que vemos estamos entrando em contato umas com as outras, buscando as ONGs parceiras para também nos ajudar. Então, para mim, isso é mais do que uma vigilância, isso é um pacto de afirmar que os guardiões dos territórios estão sempre de olhos abertos a tudo que está acontecendo”.

A luta por terra

Além da luta contra a carcinicultura e contra as eólicas que afetam direta e indiretamente a comunidade, os moradores também pontuam a questão da terra. A luta pela terra, para eles, também tem uma importância muito grande.

“A comunidade do Sítio Jardim enfrenta um cenário de inúmeras situações de negações de direitos. A comunidade enfrenta uma luta histórica na justiça pela defesa de suas terras e contra a especulação imobiliária. Ainda hoje tramita na justiça um processo judicial a passos lentos, e isso tem intensificado as disputas desses espaços que a comunidade tem para as futuras gerações por pessoas de fora que se dizem donas dessas terras”, afirma Camila.

Maninha ressalta essa luta pelo território. “Um dos maiores desafios da comunidade é a gente ter direito ao nosso território. No nosso território tem uma pessoa que se diz ‘dono’. Há 25 anos que está essa questão na justiça, no Fórum de Fortim e o nosso maior sonho, nosso maior desejo é ter o direito ao nosso território.”

Petróleo e poluição

Camila Batista afirma que os agravos ao Rio Jaguaribe interferem diretamente na saúde e na segurança alimentar da comunidade. De acordo com ela, o ecossistema pesqueiro está somatizando vários impactos diretos ou indiretos ocasionados pela carcinicultura, agronegócio, parques de produção de energia eólica e poluição por petróleo entre outros. Camila explica que com a chegada do petróleo as famílias pesqueiras perderam a autonomia financeira e condição de garantir alimentação, pois a venda dos pescados ficou comprometida, considerando que os consumidores passaram a ter muita insegurança na aquisição dos produtos da pesca artesanal do Rio Jaguaribe, e as famílias se viram sem nenhuma condição de garantir gêneros alimentícios importantes garantir uma dieta alimentar balanceada, compra de medicamentos e a manutenção de serviços essenciais como energia e a compra de agua para beber, cozinhar.

“Com a chegada da Pandemia esse cenário se intensificou e a situação de insegurança alimentar chegou a uma marca crítica. As famílias pesqueiras precisaram de auxílios das entidades parceiras para garantir em caráter de urgência, alimentação, produtos de primeira necessidade e intensificaram a incidência em órgãos de saúde, justiça e entidades de pesquisas para pautar atenção especifica que atendesse as suas necessidades”, afirma Camila.

Oficina de VPSAT

Para Camila, as atividades realizadas pelo Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes foram importantes contribuições para o reconhecimento do território. “É uma estratégia que potencializa a caminhada da Fiocruz junto à comunidade. Todas as ações planejadas são construídas a partir de um olhar atento às necessidades da comunidade e respaldadas pelas lideranças. Isso dá muita credibilidade aos pesquisadores/as envolvidos/as. Por outro lado, a comunidade se sente fortalecida, renova a esperança. Quando as ações são construídas coletivamente a comunidade se sente parte na condução dos encaminhamentos.

Camila diz que, como resultado dessas atividades, ela espera que a relação entre Fiocruz e comunidade fique ainda mais fortalecida; a construção de um plano de ação de vigilância popular em saúde e ambiente; a garantia da sustentabilidade das ações pensadas durante a visita; visibilidade dos conflitos e seus impactos sobre a vida das comunidades pesqueiras e que pescadoras e pescadores artesanais sejam atuantes no exercício da leitura crítica da realidade.

Já Maninha afirma que “a atividade feita pela Fiocruz é de fundamental importância para nós pescadoras e pescadores, pela transparência que tem, por a gente ter aprendido muito com tudo isso. Temos muito que agradecer a Fiocruz por tudo que vem fazendo na nossa comunidade junto ao nosso povo”.

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