Quilombo do Cumbe luta contra empreendimentos que afetam o meio ambiente e o modo de vida

Ano 1
Nº05

Nos dias 08 e 09 de junho, a Caravana da Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho realizou suas atividades no Quilombo do Cumbe, no município de Aracati. A comunidade luta contra os impactos causados pelas eólicas, pelo hidronegócio com a carcinicultura e contaminações químicas, que vem ocasionando o desaparecimento de espécies nativas de peixes, mariscos e a morte do próprio mangue, de acordo com os moradores e moradoras. A retirada de água doce de forma indiscriminada está ocasionando a diminuição do nível dos lençóis freáticos e a salinização das águas do mangue, ameaçando o próprio ecossistema.

Segundo João Luís Joventino do Nascimento, mais conhecido como João do Cumbe, defensor dos direitos humanos e educador popular, os impactos dos empreendimentos ao redor do Cumbe se dão, principalmente, na perda do território. “Se nós tínhamos um território de uso comum, de uso comunitário, com a chegada da Cagece determinadas áreas passam a ser privatizadas, então já não temos mais acesso àquela área, com a chegada da carcinicultura a mesma coisa. Nós vamos ter que nos adaptar a uma outra realidade que é a questão do cercamento expulsivo, que se vem dando por todos os lados. A mesma coisa com as eólicas, então esses empreendimentos têm um impacto negativo muito grande no nosso modo de vida que vai desde a privatização à destruição”.

João afirma que, se o território e seu mangue vão bem, a saúde das pessoas da comunidade também vai bem, os pescados também vão bem, mas se o mangue está contaminado, se os peixes, os mariscos, caranguejos estão doentes então isso vai afetar também a saúde das pessoas. “Esses empreendimentos interferem tanto na nossa vida, na nossa cultura, na nossa alimentação como também na nossa saúde”.

A pescadora e presidenta da Associação Quilombola do Cumbe, Cleomar Ribeiro, fala sobre o sentimento de ver esses impactos no território. “Vem aquele acúmulo de sentimentos, cada relação, cada vivência, cada afeto dentro do território. É uma consequência muito grande nas nossas vidas e é esse sentimento que hoje nos faz resistir tanto, porque é um sentimento de revolta, é um sentimento de muita tristeza porque fere o território e também nos fere, dilacera o nosso coração. Quando você vê o manguezal, quando você vê a nossa praia, quando você vê nossos morros, que são as dunas, nossas lagoas, nossas matas sendo destruídas, nós sendo expulsos é um sentimento de muita dor e injustiça, que me faz lutar cada vez mais.”

Ronaldo da Silva, conhecido por muitos como, o professor do mar da comunidade do Cumbe, é nascido e criado no mar. Trabalha na pesca durante o inverno e no verão cata caranguejo no mangue. Ele é vice-presidente da Associação Quilombola da Cumbe e aponta como principal desafio a luta pelo território. De acordo com ele, os empreendimentos avançam em várias direções comprometendo fortemente a comunidade. “Eles chegam falando em desenvolvimento e renda, mas com o passar do tempo, a carcinicultura, por exemplo, secou o mangue e praticamente não encontramos mais siris por lá, os caranguejos estão fracos e cegos. Já o Parque Eólico está instalado no meio da duna, no aquífero que abastece o Aracati e comprometeu o lençol freático. Hoje já não temos água com facilidade e a gente nem tem mais livre acesso para pescar”.

Resistência

A Associação Quilombola da Cumbe existe há 25 anos. Cleomar explica que a cata do caranguejo ficou completamente comprometida nos anos 2000, deixando as famílias literalmente sem renda. Foi a partir desse cuidado com o ecossistema que alimenta todos da comunidade que surgiu a Associação. Ela explica que para quem vive no território desde criança como ela, é possível ver as drásticas alterações da natureza. “A gente se reúne aqui para empoderar a comunidade sobre as lutas que ainda precisaremos lutar. Você viu que tem criança participando? São elas quem vão conscientemente defender nosso lugar de origem”, ressalta Cleomar.

No decorrer dos anos, o Quilombo do Cumbe vem realizando a luta contra essas ameaças à vida e tem praticado a Vigilância Popular em Saúde, Ambiente a Trabalho como, por exemplo: o monitoramento dos peixes e mariscos, dos níveis de salinidade das águas; observando as modificações nas paisagens nos manguezais por meio de indicadores de VPSAT.

João do Cumbe explica que a Vigilância Popular da Saúde que é realizada pelos quilombolas do Cumbe se dá na relação estabelecida com o território. “É no dia a dia que essa vigilância vem se dando, quando eu vou pescar, quando eu vou mariscar, quando eu vou fazer o turismo comunitário, quando eu vou realizar o lazer nas lagoas, nas camboas, no rio, na praia. Quando algo de ruim acontece dentro do território, também, de uma certa forma, está me afetando, então é nesse momento que a Associação se reúne para fazer essa vigilância, para identificar o infrator ou identificar a causa e a partir daí denunciar, fazer resistência, fazer os enfrentamentos que a gente já vem fazendo desde a nossa existência, desde que os nossos antepassados pisaram nesse território. Então é resistir para existir”.

A oficina em VPSAT

No dia 09, a Fiocruz Ceará realizou a oficina em Vigilância Popular da Saúde Ambiente e Trabalho (VPSAT) com apresentações, oficinas e debates com a visão dos atores envolvidos; e o compartilhamento de experiências entre pesquisadores e participantes do movimento sobre as práticas de Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho. A última atividade consiste na elaboração de um Plano de ação para fortalecer as iniciativas que já são desenvolvidas pelos moradores de cada região.

Sobre a importância das atividades realizadas pela Fiocruz Ceará, João do Cumbe aponta “a importância de reconhecimento do trabalho em Vigilância Popular de defesa do território frente às atividades econômicas que desconsidera a nossa existência, causa conflitos, degradam o ambiente natural”. De acordo com ele, a Associação Quilombola do Cumbe, através dos seus associados e diretoria, vem fazendo esse movimento de resistência, denunciando esses crimes, essas violações de direito, mas também vêm apontando, mostrando outros caminhos. “Então é importantíssimo para o fortalecimento da luta quilombola aqui no território do Cumbe”.

Cleomar afirma que está acompanhando as atividades da caravana, e também fala sobre a importância dessas atividades. “Estive acompanhando as caravanas de outros territórios e eu achei a riqueza desse trabalho incrível, a mobilização das pessoas, ali vai estar quilombola, pescador, agricultor, indígenas, então são vários grupos, são várias populações, são vários territórios e cada qual trás as suas especificidades riquíssimas e seus conhecimentos e aí você percebe que essa atividade estimula, fortalece, traz uma expectativa melhor para aqueles que estão desanimados dentro dos seus territórios, porque há muita injustiça dentro dos territórios, há fragilidade, retirada de direitos, há muitas perdas, foram tiradas muitas coisas dos nossos conhecimentos, essa foi uma atividade que deixou a gente muito fortalecido para mais luta, para mais resistência, e de sempre defender o território que é tão importante para a nossa história de vida”.

“Eu achei muito importante essa atividade que foi feita aqui na comunidade pela Fiocruz, porque veio abordar os conflitos, os problemas vividos no território que afetam a natureza e o nosso modo de vida. Eu vejo que esse trabalho vai fortalecer ainda mais a nossa luta. A Fiocruz veio problematizar o que a gente passa na comunidade através da saúde, que envolve o mangue, envolve a praia, o rio, tudo isso é saúde, a saúde mental, a saúde física e vocês vieram abordar isso. Foi muito produtivo o trabalho aqui na comunidade”, afirma Ronaldo.

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