Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes fortalecerá ações em vigilância popular

Ano 1 Nº01

Sobre o projeto

O projeto Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes, coordenado pelos pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Ceará), Fernando Ferreira Carneiro e Ana Cláudia de Araújo Teixeira, tem como objetivo desenvolver a Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho (VPSAT) com foco em populações vulnerabilizadas, por meio de um “Participatório” que articula organizações comunitárias com os serviços públicos de saúde e instituições de pesquisa no âmbito nacional.

O projeto tem apoio do Edital Inova Fiocruz de Emergências de Saúde Pública e tem como título: “Vigilância popular da saúde, ambiente e trabalho: organizações comunitárias, serviços públicos de saúde e instituições de pesquisa atuando na defesa da vida de populações vulneráveis”.

Fernando Carneiro afirma que a origem desse projeto, que tem como foco a ideia de Vigilância Popular, cresceu gradativamente no campo da saúde nesse período de pandemia do coronavírus, sobretudo, pela ausência que houve do governo federal na atuação da pandemia em contornar o cenário de colapso do Sistema Único de Saúde (SUS). “A nossa pesquisa criou um instrumento que é o Participatório de Ecologia de Saberes e Saúde, que tem como objetivo visibilizar experiências em todo o país e, ao mesmo tempo, apoiar seu desenvolvimento à partir da visão da ecologia de saberes, em que se valoriza o saber popular em diálogo com o conhecimento científico em um contexto de lutas sociais pela vida”, informa o coordenador.

O que será feito e a quem se destina?

Ao todo dez experiências de vigilância popular devem ser selecionadas e o cadastramento das comunidades e territórios pode ser feito através de formulário virtual. Das experiências selecionadas, cinco devem ser do Ceará e uma para cada região do Brasil, que deverão ser acompanhadas pelo Participatório a partir das atividades realizadas. O objetivo final é produzir um guia de vigilância popular, vídeos, cursos e relatórios multimídia para atender demandas de formação do SUS, movimentos populares, organizações comunitárias e instituições de pesquisa.

A coordenação do projeto informa que ele é voltado para movimento, organização ou entidade social e popular; agricultores/as familiares; atingidos/as por barragens, camponeses/as, catadores/as de caranguejo, comunidades que habitam ou usam reservas extrativistas, indígenas, marisqueiras, pescadores e pescadoras artesanais, quilombolas, ribeirinhas, trabalhadores/as rurais assalariados e temporários que residam ou não no campo, trabalhadores/as rurais; meeiros; trabalhadores/as rurais assentados ou acampados, morador/a de comunidade urbana (favelas), outras comunidades tradicionais, instituições de pesquisa e por equipes do SUS.

Fernando explica que o projeto tem muito a ver com as trajetórias de pesquisadores da Fiocruz Ceará em valorizar os conhecimentos populares no processo de produção do conhecimento acadêmico e com a pandemia, de acordo com ele, emergiram várias experiências do que tem sido chamado de “Vigilância Popular”. “Isso foi uma reação dos movimentos e fortaleceu iniciativas de geração de informação para ação partindo dos próprios movimentos. Então visualizamos uma oportunidade de ampliar isso para o nosso campo de atuação de saúde, ambiente e trabalho adotando uma abordagem participativa baseada na ação e na ecologia de saberes”, afirma.

“O que a gente pode dizer é que a vigilância popular já tem se realizado mesmo sem um apoio do Estado, apesar de que ela não visa substituir o papel do Estado, mas elas não vão deixar de existir em função do nosso projeto encerrar o financiamento. O que o nosso projeto vai ajudar, é garantir uma maior visibilização das experiências, então isso pode ajudar a fortalece-las, ao mesmo tempo que com as selecionadas nós vamos contribuir numa perspectiva da pesquisa-ação que já vai deixar algum legado, mas sem dúvida a sustentabilidade é sempre um desafio para todas as experiências de vigilância popular, pois envolve custos, monitoramento participativo, mesmo que simplificadas, então é realmente uma questão importante, na atual conjuntura é muito difícil”, conclui Fernando.

O que é a VPSAT?

Luiz da Silva, cientista ambientalista e atualmente, bolsistas de pesquisa na Fiocruz Ceará, explica que a Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho (VPSAT) tem sido utilizada para nominar práticas de vigilância que privilegiam o protagonismo de comunidades, entidades, organizações e movimentos sociais. Ela pode envolver diferentes graus de atuação do Estado, da academia e dos profissionais de saúde, desde que estes reconheçam os atores e saberes populares e se impliquem nos processos participativos de natureza dialógica. “Assim, trata-se de uma área que consiste em olhar e intervir junto ao Estado, promovendo a apropriação da população do conhecimento técnico-científico em diálogo com saberes populares”, afirma.

“Desse modo, podemos considerar iniciativas de VPSAT as que não são apenas dos serviços de saúde, mas que também surgem das comunidades/territórios agregando seus saberes populares. Na vigilância popular a comunidade pode gerar, sistematizar e analisar dados referentes aos problemas que vivenciam no âmbito da saúde, ambiente e trabalho, ao tempo em que exercem o protagonismo por meio de tecnologias sociais/monitoramento simplificado” explica Luiz.

O Movimento 21 (M21) é um exemplo de vigilância popular. O historiador e ativista do M21, Reginaldo Ferreira de Araújo, explica que o M21 é um agrupamento horizontal de várias entidades e de movimentos sociais não só da região do Vale do Jaguaribe, mas também de fora da região. De acordo com ele, esse agrupamento vai desde a academia, como o Tramas/UFC e UECE, como também os movimentos sociais como o MST, a CSP Conlutas, a OPA, entidades paroquiais como a Cáritas Diocesano, a Fafidam, a Escola Agrícola Zé Maria do Tomé, a Femage, entre outras.

Reginaldo explica que o movimento nasceu a partir do assassinato do Zé Maria do Tomé, no dia 21 de abril de 2010, em Limoeiro do Norte, por combater a pulverização aérea e a grilagem de terra na Chapada do Apodi. “Esse movimento é a nossa vigilância popular aqui. A partir do assassinato do Zé Maria do Tomé o agronegócio achou que não ia ter mais quem fiscalizasse a questão a pulverização aérea e grilagem de terra, e a partir disso a gente fez esse movimento para nos autodefender e também para continuar a luta do Zé Maria do Tomé contra a pulverização aérea e contra o envenenamento”.

O movimente existe até hoje e segundo Reginaldo, uma de suas maiores vitórias foi o Centro de Referência em Saúde, Trabalho e Ambiente – CERESTA RURAL Zé Maria do Tomé, que atende os trabalhadores adoecidos por conta do veneno. Outra grande conquista apontada por Reginaldo é a Lei Zé Maria do Tomé, que é a única lei que existe no Brasil contra a pulverização aérea.

“Então a vigilância popular é importante por conta disso. A partir dessa observação que Zé Maria fazia da luta no território. A gente continua a luta e a pauta dele, então mantivemos esse legado dele, e hoje, a gente tem uma lei que proíbe a pulverização aérea no Ceará que é a única lei no Brasil”, finaliza.

Instituições que colaboram com o projeto  

A iniciativa conta com a parceria de diversas organizações, entidades, movimentos e instituições, dentre elas:

  • Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida;
  • Célula de Vigilância em Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora do Estado do Ceará;
  • Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador e à Trabalhadora – CETRA;
  • Centro de Referência em Saúde, Trabalho e Ambiente – CERESTA RURAL Zé Maria do Tomé;
  • Conselho Pastoral dos Pescadores Regional CE;
  • Escola Família Agrícola Jaguaribana Zé Maria do Tomé;
  • Escola Popular da Natureza;
  • Fundação Oswaldo Cruz – Esc. Técnico Mato Grosso do Sul;
  • Grupo de Trabalho de Educação Popular em Saúde da Abrasco;
  • Instituto Federal do Ceará – IFCE;
  • Movimento 21;
  • MST Rio Grande do Sul;
  • Projeto Paulo Freire;
  • Rede de Desenvolvimento Local, Integrado e Sustentável do Grande Bom Jardim;
  • Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares;
  • Secretaria de Saúde do Ceará;
  • Secretaria de Saúde do Tocantins;
  • Secretaria do Desenvolvimento Agrário do Estado do Ceará – Projeto Paulo Freire;
  • Secretaria Municipal de Saúde de Mossoró – RN;
  • Universidade Federal do Ceará – UFC;
  • Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB

Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio – EPSJV

Metodologia

O desenho de estudo adotado é o da pesquisa-ação, tendo como participantes a teia de experiências que constitui o Participatório. Está sendo desenvolvido em 4 etapas:

1.    Criação do Participatório de VPSAT: constituir o grupo de pesquisadores com representantes das três esferas do SUS, Instituições de Pesquisa e Movimentos Populares e organizações comunitárias;

2.    Sistematização de conhecimentos e práticas de experiências de VPSAT: Levantamento de conceitos, métodos, técnicas e estratégias existentes em VPSAT; e mapeamento e caracterização de experiências de VPSAT no enfrentamento de problemas em territórios realizado através de formulário eletrônico;

3.    Apoio ao desenvolvimento de experiências de VPSAT: Desenvolver o processo de acompanhamento e apoio a partir da seleção das dez experiências, uma em cada região do Brasil e cinco no Ceará, estado sede do Participatório. A equipe do Participatório irá contribuir na elaboração de Planos de Ação de VPSAT para cada caso;
4.    Disseminação científica a partir de uma comunicação técnica e popular: Alimentação do site e redes sociais com informações de interesse para o SUS.

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