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Participatório da Saúde e Ecologia de Saberes inicia pesquisa de campo em Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho
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Ano 1
Nº03
Após meses de levantamento de informações e cadastro das experiências em Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho, o projeto “Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho: Organizações Comunitárias, Serviços Públicos de Saúde e Instituições de Pesquisa Atuando na Defesa da Vida de Populações Vulnerabilizadas por meio de um Participatório” definiu as dez experiências que serão acompanhadas pelo Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes.
Das dez experiências selecionadas, cinco são do Ceará e as outras cinco foram divididas uma para cada região do Brasil. No âmbito nacional são elas: Vigilância popular em saúde e ambiente em áreas próximas de complexos siderúrgicos, nos estados do Rio de Janeiro e Maranhão; Promoção de territórios saudáveis e sustentáveis no Mato Grosso; Em defesa do direito à vida, do estado do Rio Grande do Sul; Teia de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta, no estado do Amazonas.
Já as cinco do estado do Ceará são: Formação-ação em agentes populares de saúde do campo – CE, com atuação nos municípios de Canindé, Crateús, Pedra Branca, Miraíma, Santana do Acaraú e Santa Quitéria; Vigilância popular da saúde, ambiente e trabalho frente aos problemas/impactos causados pelos empreendimentos econômicos: CAGECE, carcinicultura, eólicas, que atuam no Quilombo do Cumbe, localizado na cidade de Aracati, litoral leste do Ceará; Pescadoras/res artesanais em defesa da vida e do rio Jaguaribe, com atuação nos municípios de Fortim e Aracati; Luta pela demarcação do território e preservação da lagamar do Cauípe, no município de Caucaia; Vigilância Popular no Vale do Jaguaribe, nas cidades de Limoeiro do Norte, Vale do Jaguaribe. Junta-se a essa experiência, a experiência Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA) – Meu quintal em sua cesta, que atua no Território da Chapada do Apodi, município de Tabuleiro do Norte, envolvendo as Comunidades: Saco Verde, Sítio Raimundo Antônio, Santo Estevão, Baixa do Juazeiro, Santo Antônio dos Alves; se somaram a experiência para fortalecê-la, agricultores do Acampamento Zé Maria do Tomé (Limoeiro do Norte) e da Comunidade Caatingueirinha (Potiretama). No entanto, é em Tabuleiro do Norte que a experiência é desenvolvida, organizada e gestada.
Fernando Carneiro, coordenador do projeto explica que durante o processo de seleção foram consideradas elegíveis as experiências que estavam dentro do tema de saúde, ambiente e trabalho, que fossem vigilância popular da saúde. Ou seja, que tivessem o protagonismo popular, produzissem seus próprios dados utilizando tecnologias sociais/participativas e simplificadas. Fernando lembra que as demais experiências que não ficaram entre as dez terão suas informações divulgadas no site do projeto que está sendo desenvolvido. A ideia é reunir todas essas informações para contribuir na divulgação das experiências.
Pesquisa de campo
O Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes deu início às suas atividades de campo com visitas às dez experiências que serão acompanhadas pelo projeto.
As primeiras atividades aconteceram nos dias 20 e 21 de maio com a visita ao Povo Anacé da Terra Tradicional, no município de Caucaia. A programação contou com pesquisa de campo para reconhecimento do território; diálogos e debate sobre os conceitos e práticas de Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho (VPSAT) na visão dos sujeitos/atores da experiência; o compartilhamento de experiências entre pesquisadores e participantes do movimento sobre as práticas de Vigilância Popular da Saúde, Ambiente e Trabalho; e a elaboração de um Plano de ação de Vigilância Popular da Saúde Ambiente e Trabalho.
Além da luta por terra, o povo Anacé também luta por saúde, reconhecimento de direitos e pelo acesso à água de qualidade. Paulo Anacé, liderança indígena da aldeia Cauípe afirma que mesmo tendo o rio Cauípe no território, as aldeias do povo Anacé vivem sem direito à água, pois o recurso hídrico do rio acaba indo para o Complexo Industrial e Portuário do Pecém. “Temos bastante água, bastante recursos naturais, mas não podemos usufruir desse direito. A água do nosso rio vai para o Complexo Industrial do Pecém, mas não vai para as famílias. Que progresso é esse? Para quem realmente é esse progresso?”
Maria da Paz, indígena do território Anacé no Planalto Cauípe afirma que, “o que a gente vê hoje é que nós aqui, a população do Planalto Cauípe e Pitombeiras não temos água, e se tiver é porque tem uma cacimba lá dentro do seu terreno, porque senão vai ter que comprar de carro pipa ou tem que pedir ajuda de outras pessoas, ou ir até o rio, se arriscando muitas vezes. Usar a água do rio para beber, ou lavar uma roupa, lavar uma louça. Isso é muito difícil para as pessoas aqui”.
Zenaide Lima da Costa Felix, do Planalto Cauípe é uma das pessoas que precisam do rio para uso pessoal como lavar roupa e louça, por exemplo. Ela afirma que o carro pipa da prefeitura de Caucaia não chega a sua casa, o que dificulta ainda mais o seu acesso à água. “Nos sentimos injustiçados. Um descaso total. Do rio para a minha casa dá uns 300 metros e vemos a água indo embora e não podemos usufruir na nossa casa. Um descaso total.”
Maria esteve presente na oficina e afirma que o momento foi de muita importância para ela e para a luta do povo Anacé. “Hoje eu tive um aprendizado muito grande. Essa parceria com a Fiocruz veio trazer um aprendizado maior e a gente fica sabendo que não estamos só, ou seja, temos pessoas que podem nos ajudar a sermos conhecidos”.
Sobre a vigilância popular, Maria da Paz explica que o termo não é tão comum de ser falado, muito menos de ser ouvido, mas a atividade realizada pelo Participatório mostrou que o povo Anacé faz a sua vigilância de alguma forma. “Participar dessa oficina foi muito importante, até porque a gente sabe que no decorrer da nossa vida, no nosso cotidiano a gente tem pessoas que estão acompanhando para ver o que está certo, o que está errado, que caminho vamos seguir para que a gente não tenha os nossos direitos violados. Também sabermos quais são os nossos direitos dentro da sociedade e fazer tudo de acordo com o que nos é certo”.
Marcelo Anacé explica algumas das formas que o povo Anacé faz a vistoria da retirada da água do rio Cauípe. De acordo com ele, alguns dos indicadores são: quando a água das cacimbas está baixa, o aparecimento dos troncos das carnaúbas e a vistoria da régua de medição do volume da água localizada no próprio rio Cauípe. Quando esses indicadores começam a dar sinais de que está sendo retirada mais água do que o devido as lideranças indígenas acionam imediatamente a Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos (COGERH).
Marcelo informa que a luta pela água não é de hoje. Em 2018, por exemplo, o povo Anacé fez um acampamento às margens do rio com o objetivo de alertar e tentar barrar a retirada em excesso da água e reivindicar a água do rio para o território. Marcelo lembra que forças armadas apareceram no local e desfizeram o acampamento, mas afirma que a luta continua até hoje.
Zenaide acredita que essa realidade irá mudar, mas para isso ela afirma que é preciso a participação de todos e uma maior visibilidade à luta do povo Anacé. “A nossa expectativa é que essa questão possa ser resolvida, que a gente possa ter visibilidade, que essas informações possam chegar mais longe e as pessoas responsáveis possam fazer caso. A luta continua todo dia”.
Caravana
De 5 a 11 de junho o Participatório em Saúde e Ecologia de Saberes irá realizar sua Caravana da Vigilância Popular da Saúde, realizando pesquisa campo pelo estado do Ceará nos municípios de Tabuleiro do Norte (06 e 07 de junho), Aracati (08 e 09) e Fortim (10 e 11). Já no dia 17 de junho o Participatório chega a Miraíma.
Fernando afirma que expectativa do trabalho em campo é avançar no processo, tanto de conceituação quanto de métodos, de como fazer vigilância popular na prática. “Vamos ver como essas populações, essas comunidades tradicionais estão realizando a vigilância popular no seu cotidiano, nas suas lutas diárias. Nossa expectativa é que possamos identificar indicadores de vigilância popular, identificar mais claramente para que estão lutando? Por que estão lutando? Como estão lutando?”.
Fernando também explica que, além dos indicadores o trabalho desenvolvido em campo também poderá contribuir com a luta pela saúde, ambiente e trabalho de cada território e, ao mesmo tempo, ter elementos para criação do guia de VPSAT, vídeos, de materiais que realmente apoiem a realização dessa vigência popular tanto para movimentos sociais, academia e do SUS. “Essa é a nossa grande expectativa, que esse momento de prática nos ajude realmente, a partir de casos muito concretos, que depois vão ser narrados no guia de VPSAT, entender o que é essa vigilância. Para o que ela pode ser utilizada”, finaliza.
Mais informações no perfil do instagram do Participatório: @participatorio_em_saude